DELATORA APONTA LIGAÇÃO DE GOVERNADOR E DESEMBARGADORES COM ESQUEMA DE FUNCIONÁRIOS FANTASMAS NO RN
A delação premiada de uma ex-procuradora da Assembleia
Legislativa do Rio Grande do Norte joga luz sobre a suspeita de participação da
cúpula da política e do Judiciário do estado em um esquema que empregou
centenas de funcionários fantasmas no Legislativo local. A colaboração de Rita
das Mercês e cinco familiares da ex-servidora pode comprometer o atual
governador, Robinson Faria (PSD), cinco deputados federais, um ex-deputado
federal, dois senadores, um ex-senador, deputados estaduais, oito conselheiros
do do Tribunal de Contas do Estado (sendo três já aposentados), além de dez
desembargadores e quatro ex-governadores.
Os agentes políticos e membros do judiciário são apontados
como supostos beneficiados e mandantes do esquema de inclusão de funcionários
fantasmas no poder legislativo. As ações criminosas teriam ocorrido durante
nove anos, entre 2006 e 2015, e são investigada na Operação Dama de Espadas,
deflagrada em agosto de 2015. Nas planilhas e documentos entregues por Rita das
Mercês ao Ministério Público Federal (MPF), a procuradora aposentada cita o
nome de 52 agentes públicos que pediram para incluir nomes na folha de
pagamento ALRN. Ela também aponta os supostos funcionários fantasmas.
Procurado, o governador, até agora, não respondeu aos
questionamentos da reportagem. A assessoria do governo disse, em nota, que “não
irá se pronunciar sobre temas relacionados à operação Dama de Espadas, por se
tratar de assunto de âmbito pessoal e anterior ao cargo de governador”.
O esquema, de acordo com as investigações, consistia em
empregar funcionários fantasmas, desviando o dinheiro dos salários para os
envolvidos. Ao MPF, Rita das Mercês confirma todos os nomes e diz que o grupo
desviou, pelo menos, R$ 5,5 milhões da Casa. Até 2015, políticos e juízes –
segundo o depoimento – teriam indicado centenas de nomes para receber salários.
A maior parte dessas indicações, segundo Rita, não prestava nenhum serviço em
troca dos valores.
Firmado em 4 de agosto de 2017 com Ministério Público
Federal (MPF), a delação foi homologada em 4 de outubro pelo ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin. No Acordo de Colaboração,
detalhado ao longo de 19 páginas, ficou estabelecido que em troca de
informações e documentos, os seis colaboradores não serão presos quando houver
um julgamento, entre outras vantagens. Rita das Mercês terá a substituição de
uma possível pena por quatro anos de prestação de serviços comunitários. Os
colaboradores terão o passaporte devolvido.
ROBINSON FARIA: PRINCIPAL BENEFICIÁRIO
O desvio de dinheiro da Assembleia Legislativa, segundo o
relato de Rita das Mercês na colaboração, teve início com o objetivo de
arrecadar dinheiro ao deputado estadual à época e atual governador Robinson
Faria, em 2006, sendo ele o “principal beneficiário da situação”. Segundo ela,
o esquema continuou a funcionar na gestão dos ex-presidentes da Casa, Ricardo
Motta e Ezequiel Ferreira.
Robinson Faria foi presidente da ALRN por quatro biênios,
entre 2003 e 2010.
A ex-procuradora mencionou um episódio em que o deputado
Ricardo Motta – presidente da ALRN entre fevereiro de 2011 e janeiro de 2015 -
foi até a sua sala e pediu que ela indicasse alguém de nível superior para
ocupar uma vaga no TJ-RN. "Eu falei que tinha uma neta e indiquei Mariana
Morgana para o cargo. Ele já foi dizendo que metade do salário seria
dele", disse Rita em colaboração. A neta de Rita foi nomeada em julho de
2011 para TJ-RN. Ela foi exonerada em março de 2017.
No primeiro vídeo da colaboração, o procurador Rodrigo
Telles afirma que o esquema começou na gestão de Robinson Faria, continuou na
de Ricardo Motta. “Em 2015 assumiu o deputado Ezequiel Ferreira, como foi essa
transição? Ele sabia dessa situação? Ele também se beneficiava do esquema? Ele
procurou corrigir as coisas?”, questiona Telles. Rita responde que todos os
deputados sabiam e se beneficiavam do esquema. “O esquema todos os deputados
sabiam de como era a questão dos laranjas porque isso é público e notório
diante da Assembleia que o gabinete que é minimo não cabe 60 ou 70 pessoas
indicadas pelo deputado (...)”.
O QUE DIZEM AS DEFESAS
Procurada, a defesa do governador Robinson Faria,
representada pelo advogado José Luis Oliveira Lima, não se manifestou sobre as
acusações.
A defesa do deputado estadual Ricardo Motta, representada
pelo advogado Thiago Cortez disse que vai se manifestar nos autos do processo,
“entendendo que a delação não trouxe nenhum elemento novo de prova e que será
comprovado que não houve nenhum dos fatos ali narrados. Que a simples palavra
do colaborador deve ser provada de forma cabal e não apenas por presunção”.
A assessoria jurídica do atual presidente da ALRN Ezequiel
Ferreira, informou por meio das assessoria de imprensa, que não teve acesso aos
termos da colaboração premiada de Rita das Mercês Reinaldo. “O deputado rechaça
a existência de irregularidade no exercício de seu mandato e se coloca à
disposição da Justiça ou de qualquer órgão de investigação para
esclarecimentos, caso sejam necessários”.
DEZ DESEMBARGADORES INDICARAM 30 PESSOAS
Do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, dez
desembargadores, incluindo dois aposentados, indicaram, juntos, 30 pessoas,
segundo Rita das Mercês. Da mesma forma que desembargadores faziam pedidos ao
legislativo para fazer inclusão de nomes de seus interesses, os deputados
tinham costume de indicar pessoas de seu interesse para o TJ-RN.
Na delação, Rita confirma que oito conselheiros do Tribunal
de Contas do Estado (TCE) teriam indicado 25 pessoas para cargos na ALRN.
QUEM É RITA DAS MERCÊS
Rita das Mercês foi presa em agosto de 2015, em decorrência
da Operação Dama de Espadas, comandada pelo Ministério Público do Rio Grande do
Norte ( MPRN). Ela foi solta três dias depois. Advogada, começou a trabalhar na
Assembleia Legislativa em 1981 como consultora jurídica, cargo que seria
posteriormente transformado em procurador. No local, exerceu diversas funções
de chefia, até ser convidada pelo então presidente da ALRN, Robinson Faria,
para exercer o cargo de chefia na Procuradoria-Geral, função que permaneceu até
29 de setembro de 2015, quando foi exonerada. Ela responde o processo em casa,
em Natal. Aposentada, Rita das Mercês recebeu da ALRN, R$ 30.471,11 brutos em
maio, de acordo com dados do Portal da Transparência do órgão.
ORIGEM DA INVESTIGAÇÃO
Em 15 de agosto do ano passado, foi deflagrada a Operação
Anteros, resultado da colaboração premiada de Rita das Mercês. Pela ação, o
governador Robinson Faria está sendo investigado pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ) pela suposta prática dos crimes de formação de organização
criminosa e obstrução de justiça. Parte do processo da “Dama de Espadas”
tramita no STF, em função do suposto envolvimento de políticos com foro
privilegiado.
Nos termos de colaboração de números 4, 6, 7, 12 e 14 são
retratados o envolvimento, entre outros, do atual governador do Rio Grande do
Norte, Robinson Faria - quando ainda ocupava o cargo de Deputado Estadual - de
desembargadores do Tribunal de Justiça do RN e de Conselheiros do Tribunal de
Contas do Estado (TCE).
O envolvimento de deputados estaduais e prefeitos municipais
são relatados nos termos de número 3, 8, 11, 12 e 14. No termo 10, é citada a
atuação de um gerente de banco na facilitação dos desvios. Nos termos 1 e 2,
Rita retrata o esquema de desvios em linhas gerais. No item 9 são relatados os
envolvimentos de senadores e deputados Federais.
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