CIRO E LULA: NÃO HÁ ANJOS NA POLÍTICA, SÓ SERES HUMANOS
Ciro Gomes ataca a venda do patrimônio
nacional pelo governo de Michel Temer. Lula também. O pedetista revolta-se com
uma reforma trabalhista sem pactuação. O petista,
idem. Ambos querem mudanças tributárias capazes de aumentar a
contribuição dos mais ricos sem reforçar a carga líquida de impostos. Apesar de
algumas diferenças na forma de atingir esses objetivos, há grande sintonia
sobre o que é necessário ser feito no País.
Se não fossem as ideias, poderia se imaginar que hoje são
apenas adversários políticos. De um lado, o explícito esforço de Lula e de seu
partido para isolar seu ex-ministro na disputa. De outro, os protestos de Ciro
contra a "valsa à beira do abismo" ensaiada pelo ex-presidente ao
insistir na candidatura, fora as acusações de intervenção direta do petista
para frustrar suas negociações com o "centrão" e o PSB.
Na quarta-feira 1º, Ciro teve a oportunidade de
rebater, em entrevista à Globo News, o acordo costurado entre o PT e o pessebistas no
mesmo dia em que ele foi anunciado. Como articulador político, Ciro colocou
Lula ao lado Temer e Geraldo Alckmin, do PSDB, como um trio que trabalha para
isolá-lo. Se considerou "um cabra marcado para morrer". Acusou o
ex-presidente de "operar" com Valdemar da Costa Neto, do PR, para
impedir o "centrão" de apoiá-lo.
Sem alianças, Ciro terá 29 segundos de tempo de televisão
por bloco e muita dificuldade para desenvolver sua campanha pelo Norte e
Nordeste, onde a Executiva Nacional do PT prometeu apoiar 4 candidatos do PSB a
governos estaduais. Entre eles, o atual governador Paulo Câmara, de Pernambuco,
para desgosto da pré-candidata petista Marília Arraes, que promete insistir na
candidatura própria.
Em troca, o PT deve ter o apoio dos pessebistas na Bahia e
no Piauí, onde os governadores Rui Costa e Wellington Dias tentam a reeleição,
e possivelmente outros estados. Como não é uma aliança, os petistas não
absorvem o tempo de televisão do PSB, de 47 segundos para a campanha
presidencial. Mas impedem Ciro de se aproveitar da vantagem.
Em uma arena como a Globo News, braço jornalístico de
um grupo de comunicação combatido diariamente por Lula e PT, Ciro não abriu mão
de valorizar o legado do ex-presidente. Não cedeu em seu projeto desenvolvimentista e comprometido com
a soberania nacional ao falar a uma bancada crítica a estas propostas. Ao
comentar o Lula candidato ou articulador político, Ciro atacou. Mas como
ex-presidente, elogiou mais que bateu.
Em uma entrevista recente à TV Difusora, no Maranhão, Ciro
considerou-se o único capaz de dar continuidade ao projeto político do ex-presidente.
Após a divulgação do acordo entre PT e PSB, aumentou o tom das críticas à
decisões de Lula no governo, mas não fez pouco caso dos avanços. Resumiu a
análise a uma pergunta: "Lula é um anjo ou um ser humano?"
"Se Lula não for um anjo, como certos petistas
acreditam, ele é um ser humano", responde Ciro. "Eu fui ministro
dele. Eu sei que, por exemplo, com Lula o salário mínimo subiu de 76 dólares de
poder de compra, para 320 dólares. O crédito subiu de 17% para 55% do PIB. A
rede de proteção social espantou a fome do lar de muitas famílias brasileiras.
Isto aqui é um grande homem e fez muita coisa pelo País", afirmou aos
jornalistas da Globo News.
Por outro lado, o mesmo homem, diz Ciro, "loteou a Petrobras, entregou a economia para
o conservadorismo e nomeou o (Henrique) Meirelles para o Banco Central".
"Ou eu sou petista que acha o Lula um anjo impecável, ou um coxinha que
acha o Lula um satanás. Ele não é nenhuma coisa nem outra."
Ciro tem razão neste ponto. A política é coisa de seres
humanos, sempre capazes de disputas por poder e exercícios infindáveis de
vaidade. Não há anjos ou salvadores da pátria, embora certo candidato, bem
posicionado nas pesquisas, se venda como panaceia autoritária. A disputa pelo
poder deixa aliados pelo caminho, e força divisões aparentemente
desnecessárias.
Como entender que Ciro e Lula não estejam juntos, mesmo
compartilhando uma visão parecida para o País, se não pelo fato de serem
"animais políticos"? O pedetista preferiu se distanciar de Lula no
momento de sua prisão e, além de um pedido formal à Justiça para visitá-lo, não
tratou um encontro com o petista como prioridade. Por outro lado, o PT ou Lula
não fizeram um gesto claro de aproximação, salvo raras exceções, como a
de Jaques Wagner, entusiasta de uma aproximação com
Ciro.
De um lado, temos um candidato que apoia o legado de Lula,
mas não concorda com a manutenção de sua candidatura, questão de honra para os
petistas. De outro, um ex-presidente preso que considera, assim como seu
partido, fundamental manter-se na disputa, mas que prefere um nome caseiro para
substitui-lo caso seja necessário. Talvez na ilha de Utopia, imaginada por
Thomas More, estariam juntos em nome de um projeto comum. Mas Ciro já nos
forneceu a explicação: não há anjos na política, apenas seres humanos.