BICENTENÁRIO MUSEU NACIONAL, O MAIS ANTIGO DO PAÍS, TEM PROBLEMAS DE MANUTENÇÃO
Sentado atrás de sua mesa, num cômodo que já serviu de
quarto para d. Pedro 1º, em frente a uma parede detonada por uma infiltração
que vai do teto ao chão, Alexander Kellner, 56, diretor do Museu Nacional,
explica por que decidiu instalar seu gabinete ali.
"Essa sala reflete o que o museu é: grandeza, com
problemas. Eu a reabri pelo simbolismo, a gente deixa claro que não oculta os
problemas, mas temos uma grandeza que ninguém tem, conquistada ao longo de dois
séculos."
É nessa dicotomia entre grandiosidade e decadência que o
primeiro museu do país, instalado num palácio imperial na Quinta da Boa Vista,
zona norte do Rio, chega aos 200 anos, no próximo dia 6.
Criado por d. João 6º em 1818, como Museu Real —e em outro
local—, o maior museu de história natural e antropológica da América Latina
está subordinado desde 1946 à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Com os seguidos cortes no orçamento da instituição, o Museu
Nacional não recebe integralmente, desde 2014, a verba de R$ 520 mil anuais que
bancam sua manutenção.
Às vésperas do bicentenário, 10 de suas 30 salas de
exposição estão fechadas, incluindo algumas das mais populares, como a que
guarda um esqueleto de baleia jubarte e a do Maxakalisaurus topai —o dinoprata,
primeiro dinossauro de grande porte já montado no Brasil.
Para reabrir a sala, interditada há cinco meses após um
ataque de cupins, o museu armou uma campanha de financiamento coletivo na
internet, no ar até 4 de junho (benfeitoria.com/maxakalisaurus),
que arrecadou R$ 40 mil até agora (a meta é de R$ 50 mil).
A reabertura, no entanto, não deve acontecer até a data do
aniversário. É apenas um dos muitos projetos pensados para a efeméride que não
se concretizarão.
Menos de 1% do acervo —que tem cerca de 20 milhões de
objetos— está exposto. Entre os principais itens, o meteorito do Bendegó,
o maior já encontrado no país, e a coleção de múmias egípcias, a primeira das
Américas.
"O maior acervo é este prédio, um palácio de 200 anos
em que morou d. João 6º, d. Pedro 1º, onde foi assinada a Independência",
diz Kellner. "A princesa Isabel brincava aqui, no jardim das princesas,
que não está aberto ao público porque não tenho condições."
A decadência física do prédio que abriga o museu desde 1892
é visível para os visitantes, que pagam R$ 8 pelo ingresso inteiro. Muitas de
suas paredes estão descascadas, há fios elétricos expostos e má conservação
generalizada.
O anacronismo das exposições, que não usam nenhum recurso
tecnológico, também é evidente —e reconhecido pelo diretor.
Não dá para ser um museu de cem anos atrás. A área
expositiva tem de se adaptar, e a nossa está longe do que se espera de um museu
de grande qualidade. Hoje tem de ter interatividade ou não alcança público
nenhum." Seu modelo, diz, é o Museu
de História Natural de Nova York, onde fez doutorado em paleontologia.
O ambiente pouco convidativo ajuda a explicar a queda de
público desde 2013, que atingiu seu piso em 2016 (menos de 118 mil visitantes).
Naquele ano, a UFRJ ficou sem dinheiro para pagar os terceirizados, o que levou
ao fechamento temporário do museu.
"Até hoje as pessoas pensam que ele está fechado",
diz seu diretor. O encerramento das atividades do zoológico, vizinho na Quinta
da Boa Vista, e a inauguração do Museu do Amanhã completam a explicação para a
queda de visitantes.
Contrato com BNDES garantirá R$ 21,7 mi para restauração
A falta de verba para fazer uma celebração à altura dos 200
anos —haverá uma pequena festa no dia do aniversário, além da abertura de uma
nova exposição, sobre corais— faz com que a direção do Museu Nacional
trate o 6 de junho como o início de um ano de comemorações.
Ao longo dele, espera avançar na reforma de ao menos parte
do prédio. Um primeiro passo nesse sentido deve ser dado na própria data do
aniversário, quando a instituição celebra com o BNDES um contrato de R$ 21,7
milhões para investir em sua restauração.
Há outra negociação milionária encaminhada para bancar uma
grande exposição e a expectativa de que cinco das principais salas sejam
reabertas até 2019.
Como qualquer prédio histórico tombado, o palácio não
demanda simples reforma, mas restauração —muito mais custosa e demorada.
Alexander Kellner diz
serem necessários R$ 300 milhões, investidos ao longo de pelo menos uma década,
para executar o Plano Diretor do museu.
Ele prevê a transferência da parte administrativa para
prédios que seriam construídos em uma área vizinha, do governo federal,
deixando o palácio livre para as mostras.
Para conseguir a doação do terreno, o diretor diz que vem
tentando audiência com a Presidência da República, mas que não passou "do
cara do cafezinho".
O último presidente a visitar o museu foi Juscelino Kubitschek (1956-1961), lembra
ele. "O Brasil não sabe da grandeza, da riqueza disso aqui. Se soubesse,
não deixaria chegar neste estado."