‘NO MEU TEMPO, NÃO TINHA MP E IBAMA PARA ENCHER O SACO’, DIZ GENERAL
A área ambiental deverá passar por mudanças radicais a
partir do ano que vem, caso o
candidato Jair Bolsonaro se saia vencedor nas urnas, no dia 28 de
outubro. Em entrevista ao Estado, o general Oswaldo Ferreira, cérebro de
Bolsonaro responsável pelos planos nas áreas de infraestrutura e meio ambiente,
confirmou que o setor deverá ser totalmente reestruturado, para eliminar
“atrasos” e separar “o que pode e o que não poder ser feito”.
Militar da reserva e cotado para ser o ministro dos
Transportes do candidato do PSL, Oswaldo Ferreira recorreu às experiências que
viveu no Exército durante a construção da BR-163, entre o Mato Grosso e o Pará,
para comentar como vê a questão do licenciamento ambiental no País.
“Eu fui tenente feliz na vida. Quando eu construí estrada,
não tinha nem Ministério Público nem o Ibama. A primeira árvore que nós
derrubamos (na abertura da BR-163), eu estava ali... derrubei todas as árvores
que tinha à frente, sem ninguém encher o saco. Hoje, o cara, para derrubar uma
árvore, vem um punhado de gente para encher o saco.”
A rodovia mencionada pelo general foi aberta pelos militares
nos anos 1970, quando o lema oficial do governo era “integrar para não
entregar” o Brasil. Hoje, convertida na principal rota rodoviária de escoamento
de grãos do País, a BR-163, ainda tem quase 100 km de terra. A rodovia, também
chamada de “Cuiabá-Santarém”, é conhecida por seus atoleiros e filas
intermináveis de caminhões. Obras de pavimentação têm sido realizadas por
batalhões de engenharia do Exército. O traçado de quase toda a estrada,
principalmente no Pará, é marcado pela ocupação irregular e desmatamento
ilegal.
Fusões
O plano de governo de Bolsonaro já deixou clara sua intenção
de fundir a estrutura do Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da
Agricultura. Ibama e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio),
que hoje cuida das unidades de conservação do País, seriam unidos em um mesmo
órgão.
A área de licenciamento ambiental passaria ainda por uma
mudança profunda, com uma estrutura de funcionamento similar à da Advocacia
Geral da União (AGU): servidores do Ibama seriam enviados para diversos órgãos,
para cuidar de licenciamentos ambientais específicos. Esse último, por sua vez,
teria ainda a sua área de licenciamento “descentralizada”, com servidores
locados em cada órgão público.
“Ninguém é maluco de ser contra o meio ambiente, mas
precisamos esclarecer logo o que pode e o que não pode ser feito”, disse
Ferreira. “Nós não temos partidos. Zero. Eu não tenho filiação partidária, nem
sou afilhado de nada. Nunca vou ser. Sou um cara técnico, com visão prática das
coisas”, comentou o general, que até o ano passado comandava o Departamento de
Engenharia e Construção do Exército.
Retrocesso. Para Sandra Cureau, subprocuradora-geral da
República no Ministério Público Federal, especialista em Direito Ambiental, as
propostas de Bolsonaro significam “a maior possibilidade de retrocesso na área
ambiental da história.”
“São ameaças muito claras. Estamos correndo risco de ter um
Ministério Público amordaçado. O que me surpreende é que boa parte das pessoas
instruídas desse País não consiga ver o perigo que o País está correndo”,
declarou ao Estado.
Cureau, que por dez anos esteve à frente da 4ª Câmara da
Procuradoria-Geral da República, voltada para temas ambientais, criticou a
ideia de Bolsonaro de unir o Meio Ambiente e Agricultura em uma mesma pasta.
“Essa ideia é simplesmente absurda. São áreas que sempre se chocaram. É natural
que seja assim. Fazer isso significaria, na prática, acabar com o Ministério do
Meio Ambiente. Os interesses do setor produtivo vão sempre prevalecer, não há
dúvida disso.”
A subprocuradora-geral da República rechaçou ainda a
intenção já declarada por Bolsonaro, de retirar o Brasil do Acordo de Paris,
que diz respeito a medidas de combate às mudanças climáticas. Bolsonaro
seguiria, desta forma, o mesmo caminho já adotado pelo presidente Donald Trump,
que retirou os EUA do pacto global do clima. “Seria uma calamidade. O Brasil tem
um compromisso firme com a manutenção de suas florestas, a contenção do
desmatamento, contra ações que possam descontrolar o clima. Todos estão
extremamente preocupados com o que pode vir por aí”, afirmou Cureau.
Ibama vê riscos de retrocessos
Em resposta às declarações do general Oswaldo Ferreira, a
presidente do Ibama, Suely Araújo, declarou, por meio de nota, que o
“licenciamento prévio de atividades potencialmente poluidoras ou degradadoras é
previsto na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente desde 1981” e “uma
ferramenta adotada no mundo todo”.
“A implantação de empreendimentos impactantes sem essa
análise implicaria retrocesso de quase quatro décadas de política ambiental no
País. As atividades econômicas não podem levar à destruição da base de recursos
naturais que são o seu próprio sustentáculo”, afirmou.
Suely disse ainda que a BR-163 “ainda não teve a sua
pavimentação concluída, mesmo com todas as licenças necessárias emitidas pelo
Ibama, por problemas que nada têm a ver com a legislação ambiental”.