QUADRO DE BOLSONARO REQUER CUIDADO APÓS SÉRIE DE IMPREVISTOS, DIZEM MÉDICOS
Médicos ouvidos pela Folha dizem que a detecção
da pneumonia em Jair Bolsonaro, confirmada nesta quinta (7), integra um
quadro de complicação da situação clínica do presidente que inspira cuidados.
O novo diagnóstico ocorre após outros imprevistos também
terem sido verificados na saúde dele depois da realização
da cirurgia, em 28 de janeiro.
A infecção no presidente —no caso, a pneumonia— é agravo que
costuma se manifestar depois de 48 horas de uma internação, geralmente com mais
de sete dias.
Mas os médicos dizem que, pelas informações divulgadas no
boletim, não dá para apontar com precisão o que estaria acontecendo de fato.
Após 11 dias de internação no hospital Albert Einstein, em
São Paulo, Bolsonaro teve febre na noite de quarta-feira (6), e uma tomografia
detectou a pneumonia.
A detecção da pneumonia prolongará ainda mais a internação
do presidente, por no mínimo mais sete dias, devido ao aumento de antibióticos,
conforme disse à Folha Antonio Luiz Macedo, cirurgião que é um dos
responsáveis por cuidar da saúde do presidente da República.
Inicialmente, a equipe responsável pela operação estimava
alta após dez dias, completados na quarta. Agora, na hipótese mais otimista,
ele completará 18 dias de hospital.
Várias hipóteses poderiam explicar o surgimento da
pneumonia. O fato de estar com o intestino parado e o estômago com acúmulo de
líquido pode ter levado a microaspirações do conteúdo gástrico, que foi direto
para o pulmão, causando a infecção.
Outra possibilidade é a chamada pneumonia por contiguidade,
ou seja, relacionada ao abscesso que ele teve diagnosticado no sábado (2). Se o
foco infeccioso estiver na parte superior do abdome, perto ao diafragma, por
proximidade pode afetar o pulmão.
Outro meio de causar uma pneumonia é por via sanguínea —a
bactéria entra no sangue e vai parar no pulmão. A internação prolongada é
outro fator de risco. Um organismo debilitado, recém-operado, com cateteres,
sonda, nutrição parenteral, tem portas de entrada para bactérias.
Três médicos ouvidos pela Folha estranharam o
relato de pneumonia viral feito pelo porta-voz da Presidência, por avaliarem
que não haveria razão para mudar o antibiótico, que mata bactéria.
Pelas previsões iniciais, Bolsonaro já deveria estar em
casa, retomando trabalhos burocráticos, sem esforço físico.
Os imprevistos começaram na própria cirurgia. O plano
original da equipe médica era religar as duas pontas do intestino grosso que
estavam separadas. A previsão era que isso durasse três horas.
Mas, no final, por causa da grande quantidade de aderências
(partes do intestino que ficam coladas), foi retirado o cólon direito e
construída uma ligação direta entre o intestino delgado (íleo) e o intestino
grosso (cólon transverso). A cirurgia levou
sete horas.
No sábado passado, ele teve episódios
de náuseas e vômitos, causado por infecção intra-abdominal, que necessitou
de drenagem. O quadro levou à paralisia do intestino delgado.
A assessoria da Presidência tentou amenizar a gravidade do
episódio, tratado como uma reação “normal” do organismo. O cirurgião Antônio
Macedo, que operou o presidente, alegou que era resultado da manipulação
cirúrgica.
Na avaliação do cirurgião Carlos Sobrado, professor de
coloproctologia da Faculdade de Medicina da USP, a causa da infecção pode ter
sido duas: um pequeno vazamento na costura cirúrgica (fístula), feita com a
técnica de grampeamento. “Algum pontinho pode ter aberto e vazado um pouco de
secreção. Isso acontece com frequência.”
A segunda causa pode ter sido eventuais microperfurações
ocorridas no momento de desfazer as aderências (alças intestinais grudadas)
encontradas durante a cirurgia.
“Separar uma alça da outra é muito difícil, mesmo em mãos
extremamente habilidosas. Isso é muito comum também.”
Para Sobrado, o fato de o presidente ainda estar usando
sonda nasogástrica 12 dias depois da cirurgia indica que a situação inspira
cuidados.
“Se fossem só questões referentes à manipulação cirúrgica,
só um abcessozinho, se as alças estivessem totalmente íntegras, qual o problema
de se dar para ele suco, canja, sagu, gelatina, sopa? É sinal que deve ter
alguma coisa que não está tão bem”, afirma. Ele diz que a distensão abdominal
também pode ter comprimido o diafragma, formando secreção na base do pulmão.
Para o cirurgião Diego Adão Fanti Silva, da Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo), a maior preocupação agora são infecções
hospitalares.
“O fato de o paciente estar recebendo antibióticos de amplo
espectro e internado em um ambiente onde existem bactérias resistentes e fungos
[hospitais e UTIs, de um modo geral] aumenta o risco de apresentar uma infecção
adquirida no hospital por germe multirresistente. Esse risco é ainda maior
quando o paciente possui dispositivos invadindo seu corpo, como sondas e cateteres”,
afirma.
O risco de infecção adquirida no hospital é próximo de 10%
em internações que passam de sete dias, sendo maior quanto maior o tempo de
internação, os dispositivos invasivos e a fragilidade do sistema imune do
paciente.
Mesmo que tudo evolua bem e Bolsonaro receba alta, ainda há
mais riscos pela frente. O de aderência, por exemplo, ficará com o presidente
para sempre.
“Toda vez que o abdome é aberto, o paciente passa a ter
risco de desenvolver uma aderência no intestino delgado ao longo da vida.
Estima-se que esse risco seja de 10% em três anos. Não existe nenhuma medida
profilática agora para evitar que isso aconteça”, diz Fanti Silva. A maioria
dos quadros de aderências pós-operatórias tem resolução espontânea, não
necessitando de nova cirurgia.
Nos próximos seis meses, há risco de 15% de hérnia
incisional na parede abdominal, consequência do tecido fragilizado em razão de
três operações seguidas. Será fundamental que Bolsonaro evite grandes esforços
nessa fase inicial, como levantar peso.
O diagnóstico de pneumonia levou Bolsonaro a usar as redes
sociais para tranquilizar seus seguidores. Ele compartilhou vídeo no qual seu
porta-voz fala sobre a situação e escreveu. “Cuidado com o sensacionalismo.
Estamos muito tranquilos, bem e seguimos firmes.”
FOLHAPRESS