NO DIA DO TRABALHADOR, BOLSONARO AFAGA EMPRESÁRIOS E IGNORA DESEMPREGADOS
Diz muito sobre a visão de país do atual governo que,
neste Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador, o presidente da República
tenha feito um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV para
falar da Medida Provisória da Liberdade Econômica, que traz
propostas para apoiar o empreendedor, e não tratou
de nenhuma política a fim de combater diretamente o desemprego.
Não se ignora a importância da desburocratização para
facilitar a vida de quem tem ou quer começar um negócio e todas medidas são
bem-vindas, principalmente para apoiar os pequenos empreendedores – cuja vida é
muito difícil. Ainda mais com juros altos, falta de suporte técnico e
com governos que protegem as grandes empresas, deixando as menores por sua
conta e risco, apesar de serem as grandes empregadoras do país. Mudar esse
padrão pode incentivar a geração de postos de trabalho.
Mas é paradigmático que ele tenha preferido falar aos
empresários e não aos desempregados logo depois do IBGE ter trazido, nesta
terça (30), os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua –
que apontou um crescimento da taxa de desocupação de 11,6% para 12,7%, o que
significa mais 13,4 milhões de pessoas na busca por serviço. Percebe-se, dessa
forma, quais e quem são as prioridades.
Por falta de interesse ou incompetência, o governo até agora
não apresentou nenhuma política nacional para a geração de emprego e renda que
não passe pela aprovação da Reforma da Previdência, a implementação do programa
de privatizações e alguns processos para reduzir a burocracia. Como já disse
aqui várias vezes, a responsabilidade pelo tamanho do desemprego não é de Jair
Bolsonaro, que herdou um abacaxi. Mas ele é culpado de, até agora, apenas
reclamar da fruta, sem propor como descascá-la.
O discurso desta quarta (1) reforça o peso da falta de
interesse. É o sonho de muita gente na atual administração federal que os trabalhadores
fora do mercado formal tornem-se empreendedores individuais ou pequenos
empresários. Ou seja, o governo melhora o ambiente econômico (em tese, porque
não fez avanços significativos até aqui) e aí é cada um por si e Deus por
todos. Bolsonaro, em seu pronunciamento, afirmou que "a liberdade
econômica [é a] única maneira de proporcionar, por mérito próprio e sem
interferência do Estado o engrandecimento de cada cidadão".
Parte da população, aturdida com uma geração de empregos que
patina, está buscando empreender. Na ausência de políticas do Estado,
muitos contam com as redes de apoio mútuo, por exemplo, da igreja do bairro,
que ajudam a fortalecer pequenos empreendimentos criados entre os fiéis;
outros, apenas com sua fé.
É excelente que as pessoas abram seu próprio negócio. O
problema é quando isso não ocorre por opção, resultado de um movimento
empreendedor voluntário, mas por falta dela, de forma não planejada, por
necessidade. Ou, melhor, desespero. E é isso o que está acontecendo em muitos
casos: pessoas sendo obrigadas a empreender de forma precária, inclusive
com abertura formal de pessoa jurídica, que se parecem mais com
trabalhadores informais e autônomos remendados do que com empreendedores
independentes. Lembrando que esses casos raramente garantem o pacote
básico de proteção para eles e suas famílias, mantendo-os em um grau
preocupante de vulnerabilidade social e econômica.
Para sobreviver à crise, trabalhadores expulsos do mercado
formal tornaram-se vendedores de comida na rua e motoristas de aplicativos
como o Uber, mostram outras pesquisas do IBGE. No caso da alimentação, aumentou
a procura por comida mais barata do que a servida em lanchonetes e
restaurantes. Daí, percebendo isso, a população desempregada tratou de se
arrumar e correu para garantir oferta de alimentos mais baratos aonde havia
demanda para tanto. Ou seja, gente desempregada vendendo alimento na rua
para pessoas que não têm mais dinheiro para comer em restaurantes. Para o
governo, são empreendedores que erguem a grandeza do país. Na verdade, são
trabalhadores para quem o governos anteriores deveriam pedir desculpas
por metê-los nessa enrascada e o atual por não conseguir fazer nada.
Enquanto o número de empregadores permaneceu estável em 4,4
milhões, na última PNAD Contínua, a quantidade de trabalhadores por conta
própria subiu 3,8% no trimestre entre janeiro e março de 2019 em comparação ao
mesmo período do ano passado. O que totaliza 23,8 milhões.
Há uma certa coerência nisso tudo. Afinal, Bolsonaro
criticou duramente, nas eleições, o emprego formal e o pacote de direitos que o
circunda. Em sabatina a empresários em julho do ano passado, disse que "o
trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego, ou todos os
direitos e desemprego". Como se essa relação fosse necessariamente
binária.
Depois, em seu programa de governo, propôs a criação de uma
categoria que estaria sujeita a menos proteção que as
demais. "Criaremos uma nova carteira de trabalho verde e amarela,
voluntária, para novos trabalhadores. Assim, todo jovem que ingresse no mercado
de trabalho poderá escolher entre um vínculo empregatício baseado na carteira
de trabalho tradicional (azul) – mantendo o ordenamento jurídico atual –, ou
uma carteira de trabalho verde e amarela (onde o contrato individual prevalece
sobre a CLT)."
Ou seja, pretende liberar o empregador do cumprimento de
toda e qualquer proteção prevista em outras leis, bastando para isso a
concordância do candidato a uma vaga. Que, no desespero, aceitará qualquer
coisa. Membros de seu governo têm defendido a carteira "verde e
amarela", que viria atrelada ao regime de capitalização previsto em
sua Reforma da Previdência.
Para muitas pessoas, quanto mais liberdade se dê ao
empreendedor mais nos aproximamos do fim de uma suposta tutela do
Estado sobre os trabalhadores. Contudo, o atual ambiente não é de estímulo ao
empreendedorismo, mas de cristalização da precarização do trabalho.
Por fim, há um problema: nem todos desejam ou podem
empreender, preferindo ser assalariados, trabalhando naquilo que aprenderam e
sabem fazer bem. Neste caso, o que fazer? Esperar um próximo governo com um
plano específico de geração de emprego e renda?