‘PESO REAL’ TENDE A SER POUCO BENÉFICO PARA O BRASIL, DIZEM ECONOMISTAS
A unificação monetária entre Argentina e
Brasil, proposta pelo presidente Jair
Bolsonaro e o ministro da Economia Paulo Guedes, em visita ao país
vizinho, passaria por um trâmite muito complexo e não traria tantos benefícios
ao Brasil. A moeda levaria o nome de “peso real”.
Segundo Victor Candido, economista-chefe da corretora Guide
Investimentos, quem mais ganharia com essa medida seria a Argentina, porque
para o Brasil “o custo-beneficio só tem custo”, avalia.
“O sistema financeiro do Brasil é um dos mais bem
estruturados do mundo. O brasileiro acredita no seu sistema. Já o argentino,
não”, analisa Otto Nogami, professor de economia do Insper, que enxerga uma
mudança muito complexa para poucos pontos positivos. Na prática, os dois países
teriam que interligar o movimento de capital, para que, por exemplo, um
argentino pudesse abrir uma conta bancária ou investir na bolsa no Brasil e vice-versa.
Seria necessário também equilibrar uma série de fatores,
como taxa de flutuação de câmbio, inflação e dívida pública, para que as duas
nações não fossem prejudicadas. Os dois países também precisariam fundir o
Banco Central, a taxa de reserva cambial (reserva em dólar) e ainda negociariam
uma mesma taxa de importação. Todo esse processo, para Nogami, demandaria
custo, planejamento, força política e muito tempo. “Cerca de doze anos”,
segundo ele.
Para a Argentina, no entanto, “seria uma solução, porque
daria segurança financeira maior para o país”, afirma Nogami. Já Candido, da
Guide Investimentos, ao analisar o tamanho do desafio, diz que os dois países
precisariam se estruturar economicamente, com o Brasil resolvendo seu problema
fiscal e a Argentina estabilizando sua economia, “o que eles já tentam há vinte
anos”. O economista enxerga a medida como um gesto de apoio a Macri, e não como
uma proposta séria. “Se quer fazer essa aproximação, seria melhor racionalizar
tarifas de importação e se aprofundar em acordos bilaterais”, afirma.
Além de todas essas questões, uma união monetária precisaria
ser aprovada pelos Legislativos de ambos os países. Nogami, cita, por exemplo,
a dificuldade que o governo Bolsonaro vem tendo para aprovar a reforma da
Previdência, que, na visão do economista, é um assunto menos polêmico do que a
criação de uma nova moeda.
O professor, no entanto, admite que a unificação das duas
moedas poderia ter pontos positivos, citando a economia com custos de
importação. Quando os países fazem negociações comerciais, normalmente em
dólar, é preciso comprar um determinado valor dessa moeda antes, o que gera
custo e deixa a moeda exposta a variações cambiais que podem trazer prejuízo
(mudança do valor do dólar entre a compra da moeda e seu uso).
Mercosul
Em sua fala, Bolsonaro disse ainda que, no futuro, a ideia é
ampliar essa unificação para todo o Mercosul, incluindo, por isso, Uruguai e
Paraguai. Para Nogami, as duas economias são muito pequenas o que tornaria
ainda mais complicado o processo de estabilização dos indicadores econômicos
desses países, visando uma moeda comum.
Ele cita o exemplo de Portugal e Espanha, que, apesar de
serem países desenvolvidos, são economias pequenas e muito diferentes perto de
França e Alemanha e por isso geram um problema grande para toda a zona do euro.
Além disso, unificar a taxa de importação deve ser uma ideia pouco aceita em
países como Paraguai, que se beneficia justamente da isenção dessa taxa. Com os
preços subindo, a inflação aumentaria, criando outro problema para a nação,
analisa o professor.