SEGURADOS COM DOENÇAS GRAVES SE QUEIXAM QUE INSS RESTRINGE AUXÍLIOS CADA VEZ MAIS
Vítima de depressão crônica, o administrador X., de 43 anos,
teve o benefício por incapacidade negado pelo Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS) quando mais precisava. Após receber seis meses de auxílio-doença em
função do grave problema psicológico — benefício que depois foi
prorrogado por mais dois meses —, X., que também é portador do HIV, mas
até então estava com o vírus indetectável em seus exames, começou a apresentar
os sintomas de Aids, com feridas pelo corpo. Ao fazer uma nova perícia,
porém, apesar de seu quadro de saúde ter se agravado, ele teve o pagamento
suspenso pelo instituto.
— Fui diagnosticado soropositivo em 2006, após contrair
meningite. Cheguei a entrar em coma, mas os médicos me salvaram. Superada a
meningite, comecei a tomar o coquetel contra Aids. Três meses depois, o vírus
ficou indetectável. A carga viral era tão baixa, que não aparecia nos exames.
Paralelamente, sempre sofri de depressão. Fui internado duas vezes e até hoje
não consegui sair dessa crise. Continuo indo a psiquiatras e tomando remédios.
Demorei a ir ao INSS pedir ajuda. De alguma forma, achei que conseguiria voltar
a trabalhar, mas finalmente percebi que não conseguiria nada sem me curar.
Por causa da depressão, X., que chegou a ter uma agência de
turismo e trabalhou durante 13 anos portando o HIV, perdeu seu negócio e, hoje,
mora com a mãe. Já com os sintomas aparentes da Aids, X. passou por uma perícia
em abril, quando levou, como de costume, todos os laudos indicando depressão
grave e informando sobre o HIV, mas teve o auxílio-doença negado.
Tentativa de segunda perícia
X. ainda tentou fazer uma segunda perícia, mas ouviu de
uma médica do INSS, na agência da Avenida Antônio Carlos, no Centro do Rio, que
“o trabalho é a melhor forma de se curar da depressão”. Além disso, segundo
ele, a perita teria dito que “pessoas com HIV trabalham normalmente”.
O tratamento dado pelos médicos peritos é a
principal crítica de quem busca um benefício por incapacidade. Contribuinte há
34 anos do INSS, o bancário F., de 58 anos, disse que recebeu um “tratamento
desprezível” na agência Calafate, em Belo Horizonte (MG). Em janeiro de 2018,
F. teve um mal súbito enquanto trabalhava, mas foi salvo por um cliente que lhe
fez massagem cardíaca. Durante seis meses, ele viveu entre o hospital e o
trabalho, com paradas cardíacas frequentes. Recebeu auxílio-doença durante sete
meses, até que seu médico sugeriu que tentasse uma aposentadoria por invalidez.
Mas ao fazer a perícia no INSS, F. teve seu pedido negado.
— Depois de outra parada cardíaca, os médicos descobriram
que eu tinha angina de prinzmetal (síndrome caracterizada por episódios de dor
que ocorrem em repouso). Um dos fatores que agravam minha condição é o
estresse. E meu trabalho é estressante. Temos que bater metas diárias. Sinto
que não estou sendo produtivo e que estou acabando com minha saúde. Eu me sinto
completamente desamparado por uma instituição para a qual contribuí a vida
toda, sempre pelo teto. O perito não olhou na minha cara.
‘A médica que me atendeu foi sarcástica’
X. - Administrador, 43 anos
"Marcaram uma nova perícia no INSS para anteontem (segunda-feira, dia 3 de
junho). Eu já esperava uma nova negativa. Mas isso não foi suficiente. A médica
que me atendeu foi sarcástica, debochada. Foi humilhante. O único caminho que
vejo é a Justiça. Vou ao Juizado de Pequenas Causas, que é gratuito (no caso
das ações contra o INSS, os mais indicados são os Juizados Especiais Federais,
onde os processos tramitam mais rapidamente e as indenizações são limitadas a
60 salários mínimos). O problema é minha luta contra o tempo. Minha saúde piora
a cada dia, e só estou tendo dinheiro até para o supermercado graças à ajuda de
amigos. "
Treze horas de trabalho, com dor
Assim como X., o caminhoneiro C., de 43 anos, dependia do
auxílio-doença do INSS para comprar remédios, que representavam uma despesa
mensal de R$ 800. Os demais gastos da família eram pagos pela mulher, que
trabalha como faxineira. C., que estudou até o ensino fundamental, sofreu um
acidente há nove anos e teve a perna direita fraturada por um disco de ferro.
— Caí numa máquina e entrou um disco de ferro dentro do
osso, quebrando-o por dentro. A ferida sarou, mas não curou por dentro. Tive
infecção, fiz quatro raspagens e dois enxertos, e não cicatrizou mais. Cada vez
que fazem a raspagem, tiram um pedaço do osso. Recebi três anos de
auxílio-doença, mas, agora, entenderam que eu não preciso mais.
Motorista de caminhão há quase 25 anos, C. conta que precisa
trabalha de 12 a 13 horas por dia, com fortes dores, principalmente nos trechos
das estradas com muitos buracos, para sobreviver. Segundo os médicos que o
acompanham, ele corre o risco de perder a perna, caso continue trabalhando.
— A médica falou que o prazo do benefício esgotou e que eu
teria que trabalhar. Ela olhou a minha perna, reconheceu que era grave, mas
disse: “Se vira para trabalhar, que aqui está tudo certo”. A única coisa que eu
sei fazer na minha vida hoje é dirigir caminhão. E uso a perna direita para
tudo, acelerador, freio. Não saberia trabalhar em outra coisa.
Ao menos duas tentativas, antes da Justiça
O advogado João Badari afirma que muitas pessoas incapazes
de trabalhar vêm tendo o benefício negado pelo INSS:
— A incapacidade é social também. Tem que ver o critério
biopsicossocial. Acho que os peritos precisam analisar o conjunto, qual é a
ocupação da pessoa, o que ela faz, não apenas o problema que ela tem. Um
advogado sem uma perna consegue trabalhar, mas uma pessoa que passou a vida na
roça, não.
Badari aconselha as pessoas que tiveram o benefício negado a
tentarem refazer o pedido por via administrativa. Mas, caso recebam uma segunda
negativa, ele sugere que procurem a Justiça. Isso pode ser feito por meio
de um advogado ou do Juizado Especial Federal, onde o trabalhador ajuiza a
ação sozinho.
P., de 54 anos, conseguiu ter o o pagamento restabelecido
após entrar com um novo pedido de perícia médica em outra agência do INSS.
Portador de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) — doença que afeta o sistema
nervoso e acarreta paralisia motora irreversível —, ele recebia auxílio-doença
desde 2017, mas, em fevereiro deste ano, teve o benefício suspenso.
— É importante não desistir. Fomos a outra agência e
conseguimos restabelecer o pagamento — disse J., mulher de P.
A Secretaria de Previdência do Ministério da Economia
informou que “reconhecer se o cidadão está incapacitado para o trabalho vai
muito além da constatação da doença pelo médico assistente”. Segundo a pasta, a
perícia médica, que detém a atribuição legal de avaliar a incapacidade
laborativa, faz a análise do impacto da doença/acidente frente à atividade
profissional, “reunindo conhecimento da Medicina, da legislação previdenciária
e de profissiografia para concluir sobre a capacidade/incapacidade”.