DESIGUALDADE SOBE, DIZ IBGE. PACOTE DE BOLSONARO DEVE AUMENTÁ-LA AINDA MAIS


O rendimento dos 10% mais ricos foi 13 vezes maior que o dos 40% mais pobres, de acordo com dados do IBGE, divulgados nesta quarta (6). Até 2015, o naco do andar de baixo estava crescendo mais, mas "entre 2017 e 2018, o rendimento dos 10% dos mais ricos teve alta de 4,1%, enquanto o dos 40% mais pobres sofreram queda de 0,8%". O IBGE explica que uma das razões que ajudou a reduzir a desigualdade entre ricos e pobres foi a política de valorização do salário mínimo, que garantia ganhos reais acima da inflação. Com o governo Jair Bolsonaro, o valor passou a ser acrescido apenas de correção monetária.

Coincidentemente, o presidente e o ministro Paulo Guedes apresentaram ao Senado Federal, nesta terça, um pacote de propostas de emendas à Constituição que reduzem significativamente o papel do Estado na economia. Entre as chamadas medidas emergenciais, está a proibição de reajuste do salário mínimo acima da inflação por dois anos durante crises, por exemplo. As promoções de diplomatas, magistrados, procuradores e promotores, policiais e militares, contudo, ficaram livres de restrições.

As propostas de Guedes e equipe transferem para a iniciativa privada responsabilidades sociais do poder público e reduzem instrumentos para corrigir desigualdades. O Brasil não é a Noruega ou a Suécia de hoje, mas um dos campeões globais em desigualdade social e em concentração de renda, além de ostentar índices bizarros de pobreza. Ou seja, não é uma situação que desejamos manter.

É possível que o pacote apresentado, se aprovado pelo Congresso, leve a crescimento econômico. Mas sem o Estado para garantir distribuição, os resultados do desenvolvimento continuarão fluindo para as mãos de algumas pessoas. Crescer para distribuir depois é falácia que não funcionou na ditadura e não funcionará agora, mesmo que o Palácio do Planalto queira exalar o mesmo autoritarismo.

O Brasil deveria, antes de pensar em discutir essas propostas, avançar com a Reforma Tributária, garantindo a redução na tributação sobre consumo e produção e taxando alta renda e patrimônio de bilionários e milionários. O governo federal vem sinalizando apenas uma simplificação do sistema, com a unificação de tributos (IPI, PIS e Cofins), mas não uma reforma propriamente dita, que garanta progressividade na cobrança. Hoje, o Brasil é um "Robin Hood às avessas", taxando de forma mais pesada os que pouco têm para garantir tranquilidade aos que já contam com muito.

Sim, a classe média e o pequeno e médio empresários pagam bem mais que os muito ricos. Mas, não raro, defendem o interesse dos outros.

O conjunto de propostas de Guedes e Bolsonaro contém algumas boas propostas, que merecem ser discutidas e aprovadas. Mas o sentido geral tenta construir um Estado muito parecido com "o cada um por si e Deus por todos" – o que talvez explique o apoio incondicional, em fé e mídia, de algumas denominações cristãs ao presidente da República. Afinal, medidas como essas fazem aumentar o rebanho atrás das promessas da "teologia da prosperidade" ou de simples conforto diante da sensação de desamparo por parte do poder público.

O Chile garantiu a implementação do modelo sonhado por Guedes graças a um Estado autoritário sob Pinochet. Desde então, tem colhido os frutos disso – crescimento econômico e convulsões sociais, com a população reclamando dos serviços públicos e idosos na pobreza por conta da introdução do sistema de capitalização para as aposentadorias.

Além disso, o pacotão também chama a atenção pelo silêncio. Bolsonaro segue devendo uma política nacional para fomentar a geração de empregos formais. A sugestão da Carteira Verde e Amarela, com menos impostos para contratar jovens e idosos, não faz cócegas nas filas de desempregados. Sem contar que a desoneração já se mostrou ação de resultados limitados em governos anteriores.

O governo segue não acreditando que o investimento público é capaz de estimular a geração de empregos. Bolsonaro já disse que quem cria emprego é a iniciativa privada e o trabalho dele é "não atrapalhar", movendo o corpo para fora da zona de responsabilidade. Repetiu que a melhora do emprego passa pela aprovação da Reforma da Previdência – que já aconteceu.

A taxa de desocupação está caindo sim – mas em nome da informalidade. Dados do IBGE, da última quinta (31), mostram que temos 11,8 milhões de pessoas sem carteira no setor privado no terceiro trimestre – aumento de 2,9% (338 mil pessoas) com relação ao trimestre finalizado em junho. Já os trabalhadores por conta própria atingiram 24,4 milhões de pessoas, mais 1,2% (293 mil pessoas). A queda no desemprego está ocorrendo, por um longo tempo, na base de postos precários e sem direitos ou de gente que se vira, vendendo bolo na rua ou entregando comida por aplicativo.

Em maio, em declaração dada a repórteres durante viagem que faz a Dallas, nos Estados Unidos, o presidente disse: "Tenho pena, tenho. Faço o que for possível, mas não posso fazer milagre, não posso obrigar ninguém a empregar ninguém". Ele não precisa ter pena, muito menos obrigar alguém, até porque empregar não é um favor, mas um negócio de compra e venda de força de trabalho em nome de salário e lucro.

O governo deveria fazer sua parte e não apenas apostar suas fichas nas reformas de longo prazo (que podem esconder uma bomba social) e em privatizações de estatais.

Bolsonaro herdou um problema de seus antecessores, mas o tempo das desculpas acabou. Chegou o momento em que ele e Guedes devem ser cobrados a mostrar que sabem apontar soluções eficazes de curto prazo. Ou entregar a tarefa a quem saiba.