EM CRISE NA REELEIÇÃO, BOLSONARO INCITA À RADICALIZAÇÃO


Jair Bolsonaro cavou um buraco, entrou e se mostra angustiado porque ainda não descobriu como sair.

Chegou à metade do mandato com mais de 50% de reprovação nas pesquisas ao seu desempenho como presidente, ao governo e, também, à candidatura à reeleição.

Não é um cenário imutável. Ele tem 14 meses até à eleição para tentar resgatar a credibilidade corroída no desgoverno da pandemia e recuperar a economia combalida, com mais 14 milhões de desempregados e inflação crescente no bolso dos pobres, que compõem 80% do eleitorado.

Já a crise do candidato Bolsonaro é mais complexa porque, na gênese, ela tem nome e endereço: Luiz Inácio Lula da Silva, sede do PT, Rua Silveira Martins, 132, São Paulo – SP, CEP 01019-000.

Prioridade desde o primeiro dia de governo, o projeto de reeleição foi abalado em 2020 pelo desastre gerencial na pandemia. Em contraste com a inépcia federal, o governador João Doria (PSDB) despontou na oposição com um objeto de desejo na emergência sanitária, a vacina contra a Covid-19. Bolsonaro atravessou o ano ocupado em neutralizar o potencial de avanço de Doria a partir de São Paulo, o maior colégio eleitoral.

Em março, o inesperado: o Supremo liberou a candidatura de Lula, até então impedido pela Lei da Ficha Limpa, ao mandar retroagir à estaca zero os processos nos quais havia sido condenado por relações espúrias com fornecedores da Petrobras.

Desde então, o presidente vê suas chances de reeleição se reduzirem, mais impulsionadas pela própria rejeição do que por uma preferência pelo antecessor e adversário.

Em maio, 54% declaravam ao Datafolha a intenção de não votar “de jeito nenhum” em Bolsonaro. Em julho, foram 59%.

Com rejeição relevante, porém, menor (37% no Datafolha), Lula cresceu. Em julho consolidou a liderança nas pesquisas. Bolsonaro não apenas caiu, como passou a disputar duramente em cenários com todos os outros candidatos, bem menos conhecidos no eleitorado do que ele e Lula.

O receio da derrota o abateu, assim como alguns dos chefes militares que lhe abriram os portões dos quartéis na campanha de 2018. Intensificou a radicalização, enquanto cristalizava a aliança com os partidos do Centrão, vital à sobrevivência num mandato questionado por mais de uma centena de pedidos de impeachment.

O alvo preferencial sempre foi o Supremo, moderador dos seus arroubos autoritários antes e durante a pandemia, e a quem ele quem culpa pelo aumento das angústias eleitorais desde a liberação da candidatura de Lula. O marketing do voto impresso é somente um instrumento mais nessa ofensiva contra o STF, para fomentar crise.

Ele inovou no comício transmitido ontem do Palácio da Alvorada, ao vivo e por telefone celular, para aglomerados de seguidores em várias cidades. Na campanha eleitoral francesa, em 2017, o candidato do Partido de Esquerda, o trotskista Jean-Luc Mélenchon, surpreendeu com a técnica de comícios simultâneos, em diferentes cidades, usando projeções holográficas — produção muito mais cara do que uma vídeo-chamada.

Na mensagem de ontem, nenhuma novidade. Bolsonaro repetiu o bordão “sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição”, como se pudesse impedir um processo eleitoral do qual é beneficiário há três décadas — sem contestação —, definido na Constituição como base do regime democrático.

Mudar a política no grito e nas ruas, no momento, parece difícil a um candidato recordista de rejeição eleitoral. Incitar à sedição, no entanto, pode ser útil como rota de fuga para quem há duas semanas permeia discursos com a possibilidade de não disputar um novo mandato no próximo ano.

A melhor interpretação, talvez, seja a de uma de suas devotas, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. “Como o presidente está pedindo transparência para que haja uma pacificação, acho que o que ele está mostrando é que não haverá essa paz caso o Lula, por exemplo, ganhe as eleições” — ela disse em entrevista à repórter Ana Maria Campos, do Correio Braziliense.

Acrescentou: “Então não é questão se o presidente vai aceitar. A questão é o que o povo vai achar, e como o povo vai responder a uma eventual vitória do Lula, que seria um tapa na cara da população.”

Por essa lógica, o bolsonarismo já trabalha com a hipótese de derrota nas urnas e está disposto a aceitar qualquer um, menos Lula.

Escolher adversário é do jogo político, mas quem define quem pode ser eleito e governar é a Constituição, aquela que Bolsonaro e Bia Kicis juraram defendê-la.