TELEMARKETING ABUSIVO PERSISTE MESMO COM REGULAMENTAÇÃO


As ligações de telemarketing indesejadas continuam sendo uma das principais reclamações dos consumidores brasileiros, mesmo após a regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que obriga empresas do setor a utilizarem o prefixo 0303. A medida, implementada em 2022, busca garantir transparência nas chamadas e permitir que o usuário escolha se deseja ou não atender. No entanto, muitas empresas seguem descumprindo a norma, dificultando o bloqueio e gerando impactos negativos no dia a dia das pessoas.


Segundo a Anatel, brasileiros recebem mais de um bilhão de chamadas de telemarketing abusivo por mês. De junho de 2022 a dezembro de 2024, a Agência bloqueou 184,9 bilhões de ligações inoportunas, mas a eficiência das medidas de bloqueio ainda é de apenas 85%. Entre os últimos sete meses de 2023 e os primeiros sete meses de 2024, a quantidade de chamadas abusivas bloqueadas subiu de 76,1 bilhões para 82,5 bilhões, demonstrando que o problema persiste.

Para Pedro Petta, advogado especialista em Direito do Consumidor, a insistência e o desrespeito das empresas às normas configuram abuso e exigem providências. “Toda ligação que é insistente em número excessivo, fora de um horário habitual ou que atrapalha a rotina do consumidor pode ser considerada abusiva. A Anatel já exige que as empresas de telemarketing ativo usem o código 0303, mas vemos que muitas não estão cumprindo a regra”, explica.

Um dos potiguares que vêm sofrendo com a insistência desse serviço é Abelírio Mendonça, 34, que relata receber mais de cinco ligações de telemarketing por dia, principalmente entre 9h e 17h. “Incomoda porque você interrompe algo para atender e ninguém fala nada. Às vezes é uma gravação robótica. Estou no trabalho, que é corrido, ou descansando e não sei se deixo o celular no silencioso porque posso receber ligações importantes”, conta e destaca que, mesmo após bloquear alguns contatos, as chamadas continuaram.

Para ele, antes era fácil identificar quais ligações poderiam ser telemarketing mesmo sem o prefixo: o segredo estava no DDD. Sem relação com as discagens 85 (Ceará) ou 11 (São Paulo), Abelirio evitava atender, mas nos últimos meses percebeu uma maior recorrência do 84 (Rio Grande do Norte), o que o levava a aceitar a ligação e de imediato se decepcionar pensando que era alguma pessoa esperada.

O mesmo incômodo também é relatado por Paulo Ricardo, 21, que estima receber mais de cinco ligações diariamente apenas durante o turno da manhã, também com números fora do prefixo 0303. “Me atrapalha em todos os sentidos. As vezes estou aguardando uma ligação importante e quando atendo são eles”, reclama. Sem a esperança de resolução, o estudante afirma que já desistiu de fazer denúncias.

De acordo com Dina Pérez, diretora-geral do Procon Natal, apesar de a Anatel ser o único órgão que realiza o bloqueio dessas chamadas, a pasta municipal também está acompanhando e monitorando a grande incidência dessa ligação. “Uma das maiores reclamações no nosso ranking está relacionado à telefonia. O consumidor muitas vezes se sente perseguido, pressionado ou até mesmo enganado pelas chamadas excessivas, principalmente quando não há identificação clara da empresa que está ligando”, explica.

De acordo com o Despacho Decisório nº 22/2024 em processo emitido pela Anatel, o serviço pode ser considerado telemarketing abusivo quando a empresa realiza no mínimo 100 mil chamadas por dia e que o total de chamadas curtas represente ao menos 85% do total. São consideradas chamadas curtas aquelas completadas com duração de até seis segundos.

Um dos principais pontos de preocupação ocasionado pela insistência das ligações indesejadas está no impacto emocional. Na avaliação de Dina Pérez, essa prática tem potencial de gerar estresse e comprometer o bem-estar das pessoas, algo que já foi reconhecido por decisões judiciais como passível de indenização por dano moral.

A mesma percepção é reiterada por Pedro Petta, que destaca especialmente as condições em que essas ligações acontecem. “Se essas ligações são realizadas fora de horário comercial, aos finais de semana, que é o momento de lazer daquele consumidor, ou em horários à noite em que eles estão descansando, tudo isso pode sim gerar uma abalo emocional e psicológico”, considera o advogado especialista em Direito do Consumidor.
 
Atenção aos dados

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada em 2018, estabelece normas sobre o uso de informações pessoais dos consumidores, mas, na prática, seu cumprimento ainda apresenta desafios. “A questão da LGPD é um pouco mais delicada porque dentro do comércio há um vazamento frequente de informações. Hoje em dia, o nome, CPF e endereço do consumidor têm um grande valor no mercado”, alerta Pedro Petta. Ele destaca que existe um mercado ilegal de dados pessoais, onde as informações são comercializadas sem o consentimento do titular.

A obtenção de dados por parte das empresas ocorre, muitas vezes, durante cadastros em farmácias, lojas de varejo e serviços de telecomunicações. Em troca, os consumidores recebem benefícios como descontos e promoções, sem perceber que suas informações podem ser compartilhadas com terceiros. Caso uma empresa seja identificada comercializando dados sem autorização, poderá sofrer sanções que variam de advertências a multas proporcionais ao faturamento.

Diante disso, Pedro Petta avalia que a ineficiência das medidas da Anatel pode estar ligada à falta de fiscalização. “A gente não tem conhecimento de procedimentos que tenham sido abertos dentro da Anatel e tenham de fato a sanação para aquele prestador. O consumidor pode registrar reclamações junto à agência, mas muitas vezes as empresas não se identificam, dificultando o processo”, considera.

O uso de tecnologia por parte das empresas também é um fator que agrava o problema. O advogado explica que as plataformas de telemarketing têm vários números e prefixos que possibilitam disparos em massa, independente do quantitativo de bloqueios já realizados. “Isso amplia o alcance das chamadas, além de burlar os mecanismos de bloqueio”, afirma Petta.

“De fato há uma redução muito grande quando você consegue bloquear esses números, mas essas empresas inserem mais linhas de telemarketing, de robotização, para ficar ligando para o consumidor. Às vezes você até atende e a ligação cai. Mas esse é um trabalho que já estamos atentos em atuar e ser contra ao telemarketing abusivo”, explica Dina Pérez, diretora-geral do Procon Natal.Como denunciar?

O consumidor que deseja se proteger pode recorrer a diferentes mecanismos para bloquear ligações indesejadas e denunciar abusos. Um dos principais é a plataforma Não Me Perturbe (www.naomeperturbe.com.br ou nas lojas de aplicativo), onde o usuário pode cadastrar seu número e impedir chamadas de telemarketing de empresas de telecomunicações e bancos. O sistema é regulamentado pela Anatel e possui uma lista de empresas de telefone móvel, fixo, TV por assinatura, internet, operações de empréstimo e cartão de crédito consignado cadastradas.

Para realizar o cadastro nessa plataforma, o consumidor deverá reunir nome, endereço de e-mail e número de telefone que esteja em titularidade. Durante o procedimento, é possível escolher empresas das quais não seja desejável receber ligações e também as que há interesse. As empresas selecionadas deverão realizar o bloqueio do contato à sua linha em até 30 dias corridos.

Caso o pedido não seja cumprido, o consumidor poderá voltar a acessar o Não Me Perturbe e notificar a prestadora da ocorrência, que deverá responder em até cinco dias úteis. As empresas são monitoradas pela quantidade de notificações procedentes e podem ser notificadas caso o descumprimento seja comprovado.

Ainda em um cenário que todos esses pedidos não sejam obedecidos, Pedro Petta explica que é possível levar o caso à Justiça. Para que a abertura do processo aconteça, o consumidor deve reunir provas, como prints das chamadas recebidas, gravações e anotações de horários e frequência das ligações. “Se o consumidor conseguir provar que foi submetido a um excesso de ligações ou a cobranças vexatórias, pode entrar com ação por dano moral”, afirma o advogado especialista em Direito do Consumidor.

A reunião das mesmas informações também podem ser utilizadas para a abertura de uma reclamação junto ao Procon Natal. Segundo a diretora-geral do órgão, empresas constatadas com enquadramento fora da legislação poderão sofrer sanções. Ainda está sendo negociado com a Anatel o reforço da fiscalização.

A reportagem buscou contato com a Associação Brasileira de Teleserviços (ABT), que engloba empresas desde a gestão de canais de relacionamento até o telemarketing, através do e-mail disponibilizado no site para esclarecer as práticas, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.