GOLPE EM SÉRIE: COMO RIFAS ORGANIZADAS POR INFLUENCIADORES VIRARAM ESQUEMA DE LUCRO ÀS CUSTAS DOS APOSTADORES


Áudios obtidos com exclusividade mostram o funcionamento de um esquema de rifas que explorava a base de seguidores e manipulava resultados para inflar vendas — e os lucros — enquanto deixava apostadores sem prêmio. No centro da trama, segundo a investigação, estava uma influenciadora com milhões de seguidores que anunciava promoções e ajudava a direcionar o comportamento do público.

“Escolhe um número e eu vou falar que esse bilhete vai valer 30 mil hoje. Até meia-noite”, diz um dos trechos do material. Em outras falas, os organizadores explicitam a estratégia: reservar — ou reter — “super bilhetes” e liberá-los apenas quando fosse conveniente, criando sensação de escassez. “Sempre que a gente reserva o bilhete, aí o povo fica comprando enlouquecidamente pra achar o bilhete”, afirma uma das vozes captadas.

A mecânica do golpe

Segundo os áudios, a mecânica era repetida: anunciar um prêmio alto por tempo limitado, bloquear os outros bilhetes vencedores e empurrar o público a comprar mais bilhetes na esperança de “achar” o prémio prometido. “Com a chamada de um prêmio de 30 mil, eles conseguiriam faturar 2, 3 milhões facilmente, entregando prêmios irrisórios. E às vezes nem entregava o prêmio, né?”, admite uma das pessoas envolvidas nas conversas.

A exploração se apoiava em duas alavancas: o apelo emocional (publicidade feita por influenciadores) e a informação assimétrica (quem organiza controla quais bilhetes são liberados). “Meu público é um público pobre. Um bilhete de 10 tá saindo hoje, todo mundo vai querer achar os outros dois, entendeu? Estratégia, bebê”, diz outro trecho, revelando a consciência dos organizadores sobre quem era o alvo principal.

Quando uma rifa deixa de ser apenas uma rifa


O próprio responsável por coordenar o esquema chegou a reconhecer em mensagens interceptadas que o formato não era regular: “Rifa é ilegal mesmo, por isso que eu evito botar o nome rifa. Eu falo ação.” A transição da linguagem não foi apenas semântica: era também uma tentativa de driblar fiscalizações e eventuais responsabilizações.

Em vários momentos os interlocutores deixam claro que o lucro vinha “na perda” — ou seja, do volume arrecadado por apostas que não geravam prêmio suficiente para cobrir o que foi prometido — e na atração contínua de novos participantes. “Eu vou ganhar nos cadastros, na perda e na galera que eu botar dentro”, diz um dos organizadores.

Quem perde, quem lucra

A prática, quando fraudulenta, transforma uma ação aparentemente inofensiva em mecanismo de enriquecimento ilícito: milhares de pequenas compras por bilhetes de baixo valor somam milhões para os organizadores, enquanto a maior parte dos compradores sai no prejuízo. A vulnerabilidade econômica do público-alvo — citada nos próprios áudios — potencia o dano social e ético do esquema.

O que está sendo investigado e o que fazer

Fontes ligadas ao caso afirmam que há investigação em curso e que processos estão sendo abertos para apurar tanto a origem dos recursos quanto eventuais crimes contra consumidores e práticas de estelionato. Numa investigação típica, promotores e autoridades tentam mapear fluxos financeiros, identificar operadores e colaboradores (incluindo divulgadores) e localizar possíveis omissões ou conivências.

Para quem recebeu anúncios de rifas ou promoções semelhantes, especialistas em defesa do consumidor recomendam cautela:Desconfie de promessas de prêmios altos por tempo muito curto e de formas de pagamento pouco rastreáveis.
Procure identificar responsável jurídico (CNPJ, dados do organizador) e peça regulamento por escrito.
Verifique se há comprovação de sorteio público e a forma como os bilhetes são gerenciados.
Em caso de fraude, guarde provas (prints, áudios, comprovantes) e registre denúncia junto ao Procon e às autoridades policiais.

Conclusão

O material revela com clareza que, por trás do verniz de promoção e entretenimento, havia um esquema estruturado para transformar esperança em lucro. A combinação entre grande alcance digital, estratégias de persuasão e controle operacional dos bilhetes transformou uma prática — em tese — recreativa em objeto de investigação. Enquanto as apurações prosseguem, fica a lição: ofertas fáceis pedem checagem e prudência — sobretudo quando apelam para quem mais precisa.