RELATÓRIO DA SEAP APONTA FALHAS DE SEGURANÇA NO COMPLEXO DE ALCAÇUZ


Falta de efetivo, falhas na infraestrutura física e logística e presos com acessos a instrumentos de ferro para abertura de fendas e buracos em celas. Um relatório da chefia de segurança da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap) aponta que uma das principais unidades prisionais do Rio Grande do Norte, a Penitenciária Dr. Francisco Nogueira Fernandes – Alcaçuz (PEA) tem enfrentado dificuldades estruturais e registrado tentativas de fugas por parte dos presos em 2024. O Complexo de Alcaçuz foi palco do maior massacre envolvendo presos no Rio Grande do Norte, em 2017, quando 26 presos morreram numa batalha campal na unidade.


No relatório obtido com exclusividade pela TRIBUNA DO NORTE, a chefia de segurança de aponta que o efetivo atual está abaixo do recomendado “para operar todas as demandas dentro da segurança”. Nesse sentido, o relatório aponta que “o efetivo quando abaixo desta quantidade gera deficiência na prestação dos serviços de assistência como também dificulta o monitoramento e preenchimento de postos fixos obrigatórios para evitar fugas” e aponta ainda que o “baixo efetivo corriqueiro gera desativação de postos de vigilância vitais para evitar eventuais fugas”.

O juiz da Vara de Execuções Penais de Natal, Henrique Baltazar Vilar dos Santos, confirma a falta de efetivo e cita que policiais penais estão sendo colocados para fiscalização de presos que exercem funções laborais nas unidades, gerando sobrecarga de trabalho para os agentes.
 
“As informações de que os policiais falam quando faço inspeções nas unidades é de que a quantidade de policiais em serviço não está sendo suficiente. Primeiro porque não tem policial suficiente porque o Estado delegou para os policiais muitas funções, então o pessoal tem que cuidar da saúde, da educação, do trabalho dos presos, então não estão conseguindo dar conta de tudo”, cita.

O relatório cita ainda que falta insumos para reformas, manutenção e melhorias na infraestrutura da unidade que evitariam fugas. Em dois dos três pavilhões, a estrutura das camas encontra-se bastante deteriorada e vários ferros de armação se encontram expostos, servindo de espetos artesanais e instrumentos para cavar buracos e empreenderem fugas. Neste ano, após uma fuga de dois presos no Rogério Coutinho Madruga (penitenciária localizada dentro do Complexo de Alcaçuz), foram identificados celulares em unidades do RN.

“Depois da rebelião em Alcaçuz, o Estado fechou várias unidades para poder concentrar mais a situação. Só que de lá para cá o número de presos aumentou e vai aumentando. No outro concurso foram contratados policiais mas o Estado passou a destinar muitos policiais para essas atividades sociais que poderiam ser feitas por outro tipo de servidor. O policial é um agente de segurança, não é para estar cuidando de escola e saúde. Como desloca os policiais para se fazer esse tipo de serviço, evidentemente fica faltando policiais na segurança”, avalia Henrique Baltazar, informando ainda que o Estado pretende fazer novo concurso em 2025 para a área.

Sobre a entrada de celulares, o juiz Henrique Baltazar cita que em dado momento recente os body scans estavam quebrados e há a suspeita por parte dos policiais de que drones tenham enviado celulares para Alcaçuz.

O Complexo de Alcaçuz foi palco de um dos maiores massacres em unidades penitenciárias do Brasil. Em janeiro de 2017, presos do Sindicato do Crime (SDC-RN) e Primeiro Comando da Capital (PCC) entraram em briga campal deixando pelo menos 26 mortos.

Mudanças

Em outro caso em outro pavilhão da unidade, a chefia de segurança da SEAP recomenda gradear dutos de ventilação e manutenção “urgentemente” das portas, em que 50% estariam funcionando de forma manual e pondo em risco a segurança dos operadores de plantão.

O documento oficial cita ainda necessidade de reforço e melhorias nos portões de acesso e nos perímetros do Complexo de Alcaçuz (que abrange a Penitenciária Rogério Coutinho Madruga). O documento aponta ainda necessidade de se adequar estacionamento de advogados que vão para o Rogério Coutinho e cita que vários refletores estão queimados no perímetro e cobra ainda a ampliação da iluminação do entorno da unidade.

Uma das mudanças sugeridas pelo relatório da chefia de segurança de Alcaçuz é a alocação de presos para um pavilhão específico com o intuito de que esses apenados não tenham interferências de facções criminosas. Atualmente, cerca de 110 presos são classificados para executar trabalho fora dos pavilhões, em serviços como reciclagem, oficina de costura, fábrica de vassouras, fábrica de produtos de limpeza, obras, oficina de serralharia, entre outros projetos.

Entre os impactos, o relatório sugere maior segurança dos apenados que ficariam separados de internos facionados; mais segurança no deslocamento; maior controle e acompanhamento na execução dos serviços e evitar que ilícitos provenientes das oficinas cheguem até os pavilhões de convívio.

Em abril de 2024, dois presos fugiram da Penitenciária Estadual Rogério Coutinho Madruga, que fica no Complexo de Alcaçuz, em Nísia Floresta. Os dois trabalhavam numa obra do presídio e saíram andando pela unidade sem grandes dificuldades até chegar a pista. A Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap) informou que ambos já foram recapturados.

A reportagem da TRIBUNA DO NORTE procurou a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap) para repercutir o tema, mas foi informada que a pasta não comenta assuntos que envolvam a segurança dos estabelecimentos prisionais. “O Sistema Penitenciário do Rio Grande do Norte encontra-se seguro, sob controle e com disciplina”, disse.

Juiz: “Estado precisa abrir mais vagas”


O juiz da Vara de Execuções Penais de Natal, Henrique Baltazar Vilar dos Santos, disse que o Rio Grande do Norte precisa abrir mais vagas no sistema penal potiguar e negou que o Estado atualmente tenha superávit de vagas, situação que foi publicada no Relatório de Informações Penais (Relipen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Segundo o relatório, o RN teria um superávit de 1.601 vagas.

“Está faltando vagas. Venho dizendo isso há muito tempo: o Estado precisa abrir mais vagas com pressa, porque qualquer construção de unidade prisional é algo que demora, e mesmo sendo pavilhões dentro dos presídios, são questões demoradas”, aponta Baltazar.

O documento da chefia de segurança obtido pela TRIBUNA DO NORTE cita ainda superlotação em Alcaçuz, que abriga atualmente mais de 1.500 presos. O relatório aponta que a superlotação dificulta rotinas ordinárias simples, como banho de sol e déficits em atendimentos médicos, como odontologia e psicologia.

A superlotação é mais um dos problemas que aumenta a insegurança no Complexo de Alcaçuz, eleva o risco de fugas e compromete a atuação dos agentes. Apesar disso, em um dos pavilhões, segundo o Ministério da Justiça, sobram vagas.

No relatório mais recente do GeoPresídios, do Conselho Nacional de Justiça, a Penitenciária Estadual de Alcaçuz possui 1.439 presos tendo capacidade projetada para 967. No Rogério Coutinho Madruga, a lotação é de 616 presos e uma capacidade de 717.

Em outubro do ano passado, o então ministro Flávio Dino anunciou repasse de R$ 35 milhões para o RN abrir vagas em Alcaçuz. Na época, o projeto era de 408 vagas e também com previsão de ampliação em 120 vagas no CDP Potengi. Segundo a Seap, ambos os projetos estão em tramitação.
 
TRIBUNA DO NORTE