PREFEITO DE JOÃO DIAS FOI MORTO EM DISPUTA DE PODER COM FACÇÃO CRIMINOSA, APONTA INVESTIGAÇÃO


A cidade de João Dias, no interior do Rio Grande do Norte, se tornou palco de uma grave denúncia envolvendo o crime organizado e o processo eleitoral. Uma reportagem exibida neste domingo (12) pelo Fantástico, da TV Globo, revelou que traficantes ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) atuaram diretamente para interferir nas eleições municipais e estão por trás do assassinato do ex-prefeito Francisco Damião de Oliveira, conhecido como Marcelo.


Com pouco mais de 2 mil habitantes, o município foi alvo de uma disputa de poder que, segundo investigações da Polícia Civil e da Polícia Federal, envolveu financiamento de campanha por parte de traficantes e um suposto plano para controlar a gestão municipal.

Marcelo foi executado junto ao pai em agosto de 2023, quando tentava retornar ao cargo de prefeito, pelo qual já havia sido eleito em 2020. Na ocasião, ele compôs chapa com Damária Jácome, irmã do traficante Francisco Deusamor Jácome, apontado como um dos principais operadores do PCC no Nordeste.
Interferência direta nas eleições

Áudios divulgados pelo Fantástico mostram Deusamor oferecendo R$ 730 mil a Marcelo, como parte de um suposto acordo para que ele renunciasse ao cargo. Em junho de 2021, seis meses após assumir a prefeitura, Marcelo deixou o cargo, e Damária foi empossada.

Em seu discurso de posse, Damária homenageou os sete irmãos, com menção de “forma especial” Deusamor e Leidjan, também investigados por tráfico de drogas. Ambos morreram meses depois, em confronto com a polícia, na Bahia.

Segundo os delegados responsáveis pelo caso, mesmo antes da renúncia, os traficantes já influenciavam as decisões da administração municipal.

“O objetivo de facções como o PCC é tomar o poder político onde houver perspectiva de lucro, inclusive com recursos públicos“, explicou o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo. Em 2023, a receita de João Dias foi de R$ 23 milhões, segundo o IBGE.
 
Investigação e denúncia

A reportagem teve acesso a um relatório sigiloso da Polícia Federal que aponta tentativas de interferência de facções em pelo menos 42 cidades brasileiras durante as últimas eleições municipais. No estado de São Paulo, o PCC teria investido cerca de R$ 8 bilhões em candidaturas.

No caso de João Dias, o conflito político teve desfecho violento. Em 2022, a Justiça revogou a renúncia de Marcelo e o reconduziu à prefeitura. Desde então, ele passou a colaborar com as autoridades, fornecendo informações sobre os integrantes da família Jácome.

Durante a nova campanha eleitoral, Marcelo voltou a disputar a prefeitura, desta vez contra a ex-vice-prefeita Damária, agora pelo Republicanos. De acordo com as investigações, as irmãs Damária e Leidiane Jácome — esta última vereadora da cidade — teriam contratado criminosos para executar o então candidato.
 
Crime e fuga

O crime ocorreu enquanto Marcelo e seu pai estavam em uma barbearia. Segundo os investigadores, os executores ficaram escondidos por dez dias em um sítio da família Jácome, onde inclusive gravaram vídeos com referências à quadrilha, exaltando a grande quantidade de armas que a família Jácome possuia em uma de suas propriedades no município de João Dias. A primeira tentativa de assassinato teria sido descartada por ocorrer durante um culto evangélico.

Ao todo, nove suspeitos foram presos. Quatro permanecem foragidos, incluindo Damária Jácome. Leidiane também é procurada. A atual prefeita de João Dias é Maria de Fátima Mesquita da Silva, viúva de Marcelo, que assumiu o cargo após o assassinato. A equipe do Fantástico não conseguiu contato com ela.

Em nota, a prefeitura afirmou que o município vive um momento de profunda intranquilidade e que trabalha para restabelecer a normalidade. A defesa de Damária e Leidiane nega o envolvimento delas no crime e afirma que ambas deixaram a cidade após sofrerem ameaças.

A investigação segue em andamento. Para as autoridades, o caso de João Dias escancara a nova estratégia do crime organizado: infiltrar-se nas estruturas do poder municipal para lavar dinheiro, controlar repasses públicos e manter influência sobre comunidades vulneráveis.

Com informações de Fantástico, Polícia Federal e Polícia Civil do RN