NÃO ME LEMBRO DE ENFRENTAR UM GOVERNO TÃO DESPREPARADO, DIZ TASSO
Veterano na vida pública, tendo sido três vezes governador do Ceará e hoje em seu segundo mandato como senador, Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou ao UOL não se lembrar de enfrentar um governo tão despreparado como o do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Em entrevista concedida na terça-feira (28), ele criticou a atitude de o presidente envolver o país em crises políticas sucessivas em meio à pandemia do coronavírus, especialmente com as saídas de Sergio Moro, do Ministério da Justiça, e Luiz Henrique Mandetta, da Saúde.
"Não me lembro de enfrentar um governo tão despreparado. Em vez de estar liderando o combate à pandemia, o presidente está criando problemas e esquecendo completamente dessa crise [da pandemia] que estamos vivendo", disse o senador.
Para Tasso, a demissão de Moro coloca "por água abaixo" a bandeira de combate à corrupção defendida por Bolsonaro. Ele avaliou ainda que o presidente dá uma "guinada radical" ao se aproximar do centrão no Congresso, a quem dizia repudiar por negociar cargos em troca de apoio político, após não ter conseguido construir uma base aliada.
No entanto, o senador afirmou não ser a hora de o Congresso "esquentar o ambiente político", porque isso atrasaria as ações para minimizar os prejuízos na saúde pública e na economia causados pelo coronavírus. Tasso relatou reclamações de secretarias estaduais de saúde de que o Ministério da Saúde está praticamente parado desde a ascensão de Nelson Teich à pasta e disse que "não é hora de tomar pé", mas de agir.
O senador também defendeu que o salário de servidores públicos sejam congelados por um período em contrapartida ao socorro do governo federal a estados e municípios, como tramita proposta no Senado a ser votada no sábado (2).
Confira os principais momentos da entrevista:
Com coronavírus e a situação política atual, o Brasil vive hoje uma de suas maiores crises?
Tasso Jereissati - Não me lembro de enfrentar um governo tão despreparado e, em vez de estar liderando o combate à pandemia, como vemos os presidentes fazendo na Itália, na Espanha, na China, e o próprio Trump — em que Bolsonaro se inspira —, estamos com um presidente criando problemas e esquecendo completamente da crise que vivemos.
Na coletiva em resposta ao Moro, ele não deu uma palavra sobre a crise humanitária que estamos vivendo.
Temos relatos de secretários de saúde estaduais dizendo que o Ministério da Saúde está praticamente parado desde que o novo ministro assumiu o cargo. Dá para entender determinadas circunstâncias, ele tem que tomar pé. Mas não é hora de tomar pé. É hora de agir.
Como vê a saída de Moro e a acusação de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal?
Foi péssimo para o país. Não é momento para nenhum tipo de crise extra, desnecessária. Já tivemos na semana anterior uma crise criada pela demissão do ministro Mandetta, que hoje tem consequências.
[A saída] do ministro Moro cria uma instabilidade política muito grande em razão de toda a bandeira do presidente Bolsonaro, durante sua campanha, de combate à corrupção. E Moro é o símbolo deste combate à corrupção. Um homem que finalmente prendeu os ricos, poderosos e políticos. Essa bandeira vai por água abaixo e cria crise de confiança no país.
Já temos a palavra do ministro [do Supremo Tribunal Federal] Celso de Mello abrindo a investigação e, graças a Deus, ele [Bolsonaro] deu um voto de confiança ao ministro [da Economia] Paulo Guedes, porque já estava se vislumbrando outra crise, com consequências absolutamente impossíveis de prever.
O sr. defende criação de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito)?
É cedo, porque não podemos desviar o foco da nossa atuação que ainda é, e vai ser por, no mínimo, um mês, o combate ao coronavírus. Desviarmos nossa atenção com a CPMI ou CPI. Sabemos o que é isso. Outras experiências indicam que o país para. Desviar o foco do combate à pandemia hoje seria um crime para o país, apesar de o presidente Bolsonaro estar fazendo força para isso.
Há quem peça a ida de Moro à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) para explicar as declarações contra o presidente. É viável reativar a comissão neste momento?
É possível, mas não boa [decisão] neste momento. Uma convocação ou convite tenderia a esgarçar mais ainda a crise e criar um clima que poderia fazer com que o ambiente político voltasse a ficar, entre aspas, contaminado pela crise.
A Justiça é o fórum ideal. Evidente que há indícios fortes de um lado, mas não é o suficiente para a gente simplesmente conturbar todo o ambiente administrativo e político do país.
Como as atitudes do Bolsonaro podem afetar negativamente a articulação política?
Há uma mudança na postura política do presidente Bolsonaro com o Congresso e em relação à sua administração. A bandeira da sua campanha foram duas. Primeiro, combate à corrupção. Ele colocou uma mancha. Pelo menos no momento em que demite ou faz com que o ministro se demita. Gostando ou não, mas [Moro] é um símbolo do combate à corrupção no Brasil. No momento que o ministro sai, e ainda sai atirando, já significa que isso não é tão prioritário.
Ao mesmo tempo, [Bolsonaro] percebe que não tem uma base política. Outra bandeira dele, que era mudar o relacionamento com os políticos, principalmente com congressistas, que ele chamava de relacionamento promíscuo, resolve mudar inteiramente essa postura e buscar o apoio do centrão. Ou seja, ao invés de repudiar os políticos que ele chamava de fisiológicos, se alia a esses políticos. Tem uma guinada radical no caminho.
Como o PSDB deve se posicionar?
A bandeira da economia do ministro Paulo Guedes é, na sua maior parte, muito parecido com a bandeira do PSDB. No entanto, uma das pedras fundamentais é que a democracia e a impessoalidade são sagradas. E Bolsonaro nesta área tem se tornado, pelo o que tem dito e até tomado algumas ações, o oposto dessa pedra sagrada que nós temos. Somos oposição e aquilo que nos conforta em política econômica, principalmente, damos todo o apoio.
E se Paulo Guedes sair?
Quando vi o presidente, segunda-feira de manhã, sair do Palácio do Alvorada e dar aquele apoio ao ministro Paulo Guedes dizendo que a economia é com ele, dei suspiro de alívio. Porque estávamos preocupados que viesse outra crise.
Bolsonaro quer arranjar motivo para dizer que o Congresso gerou instabilidade política e quer tirá-lo do cargo?
Acho que já tentou fazer isso criando uma narrativa de que havia uma conspiração contra ele entre Congresso e Judiciário. Uma coisa completamente fantasiosa. Não sei se ele acredita nisso mesmo. Dizem que é da sua personalidade, não o conheço bem, ou se estava criando um ambiente para radicalizar os movimentos políticos. Em qualquer das duas alternativas, é uma irresponsabilidade com o país.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, desistiu de soltar nota sobre as declarações de Moro e Bolsonaro na sexta e só se manifestou nesta segunda. Ele fez bem em esperar ou era preciso uma posição mais enfática?
Acredito que fez bem. É hora de ter serenidade. Não é hora de esquentar o ambiente político. É de jogar água fria, sem deixar de apontar os graves desmandos que podem acontecer.
E melhor ainda essa espera, porque se aguardou a decisão do ministro Celso de Mello, que autorizou abrir investigação. Então vamos deixar essa investigação seguir.
O Senado vota no sábado o projeto de socorro do governo a estados e municípios. Em contrapartida, devem congelar os salários de servidores. Como conciliar os interesses de todos?
A ajuda aos estados é urgente e imprescindível. Os estados não podem vender títulos, pegar dinheiro emprestado no mercado, emitir moeda, não têm banco central, e suas receitas estão despencando. Despesas, evidentemente, subindo. Se coloca algumas contrapartidas que os governos estaduais têm que fazer.
Por que o congelamento do salário dos funcionários públicos estaduais e da União? Acho que isso tem valer para estados, União e municípios. Porque o funcionário privado já está tendo seus salários congelados, alguns perderam os empregos. Infelizmente, todos nós brasileiros vamos sair dessa crise mais pobres e o funcionário público também têm que ter sua parte. Já é um privilegiado no sentido de que tem emprego garantido. Não está, a essa altura, além de perder renda, com ansiedade enorme e medo de perder o emprego