QUILOMBOLAS DE IPANGUAÇU FORTALECEM RAÍZES PELA DANÇA E O AUDIOVISUAL


O Quilombo Picadas, em Ipanguaçu, na caatinga potiguar, a 218 quilômetros de Natal, foi certificado como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares. Além desta referência à identidade e à memória da ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida, existe um grupo que busca fomentar ainda mais a reconstituição de suas culturas, recontar suas histórias, redefinir os passados da comunidade de Picadas.

O trabalho, que já era realizado pela Associação Comunitária Sociocultural da Picadas, ganhou a organização e financiamento da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa) e apoio da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), através do Projeto de Extensão “O campesinato pelas lentes do cinema”, realizado pela Escola de Teatro e Vídeo Popular das instituições. O trabalho estimulou a produção audiovisual sobre as raízes da comunidade e já rendeu, inclusive, projetos aprovados pela Lei Paulo Gustavo.

“Enquanto associação já trabalhávamos o audiovisual e o projeto veio dar continuidade à ação. Foi significativo para nós porque foi algo construído com as pessoas da comunidade, não veio material pronto, imposto. A importância do diálogo da Associação com a Universidade é que fomos construindo o roteiro”, evidencia Paulo Márcio, presidente da Associação Sociocultural da Picadas.

A Associação já funcionava como espaço onde os associados se reúnem para discutir e planejar atividades educativas, políticas e culturais a partir dos princípios da educação no campo. O projeto veio identificar a comunidade quilombola como uma potência no diálogo com a arte e a cultura enquanto linguagens voltadas à organização comunitária e fortalecimento da identidade.

“Foi uma articulação comunitária interessante. Eles já tinham experiência pregressa com documentário popular, o documentário não profissional, e nós passamos mais de um ano com a produção que recebeu o prêmio Anpocs e conseguiu aprovar três projetos pela Lei Paulo Gustavo”, explica Ozaías Batista, professor da Ufersa e um dos coordenadores do projeto.

A primeira produção realizada, o documentário “Nossa cultura, nosso ritmo”, conta a história de um dos grupos de dança da comunidade - o “Afroarte”.
 


Em 2023, foi premiado pela Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), no 2º Prêmio ANPOCS de Extensão Universitária, que confere estatuto e reconhecimento distintivos às iniciativas de extensão universitária conduzidas pela comunidade de cientistas sociais.

“A comunidade é um celeiro de manifestações artístico-culturais e tivemos que optar por um segmento, o grupo de dança. Inclusive, a presença do senhor José Recife (no vídeo) traz referência para a formação do jovem, de conhecer a história a partir do olhar daquela pessoa da comunidade, uma pessoa de saberes dentro do espaço da comunidade. A premiação veio através da produção e isso trouxe grande visibilidade. Nós fizemos um momento para exibir (o filme), o Julho das Pretas, que mostrou para a própria comunidade que eles têm potencial para trabalhar o audiovisual. É um momento de descobertas e de conquistas para a comunidade, que está se fortalecendo no campo do audiovisual”, complementa Paulo.

Após a primeira produção, os trabalhos continuaram e outros três roteiros foram aprovados pela Lei Paulo Gustavo 2023 (de financiamento federal para produções artísticas): “Narrativa audiovisual do Museu Quilombola da Picadas”, “Ipanguaçú na trilha do Cruzeiro”, que deve contar a história, através de um curta-metragem, sobre a queda de um avião da 2ª Guerra Mundial no município de Ipanguaçu, e “Afroarte em movimento”, que oferece oficinas de dança afrodescendente. As propostas estão sendo executados, com previsão de serem concluídos em março.

Na comunidade que tem 817 pessoas, segundo o IBGE, com 139 famílias assentadas pela reforma agrária e algumas outras agregadas, o projeto já alcançou diretamente cerca de 50 pessoas, e indiretamente mais de 400 do quilombo, de Ipanguaçu e de assentamentos do entorno. O sucesso do trabalho confere agora o status de programa permanente e já dialoga para ampliar ações em outros segmentos dentro da comunidade.

Toda a produção audiovisual do Quilombo de Picadas está disponível na página do Youtube do Núcleo de Comunicação da Picada (Nupir).