INFECTOLOGISTA DEFENDE LOCKDOWN PARA FREAR PANDEMIA NO RN: “FORMA MAIS RÁPIDA PARA DESAFOGAR SISTEMA DE SAÚDE”
O Rio Grande do Norte está enfrentando uma sequência de altas taxas de ocupação de leitos críticos Covid. A taxa se manteve acima de 80% por seis dias seguidos, de acordo com dados da plataforma Regula RN. A marca, que foi ultrapassada na última quinta-feira 18, preocupa o poder público e o povo potiguar.
De acordo com Marise, a manutenção do índice de ocupação dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) acima de 80% indica a falência do sistema público de saúde. “É o esgotamento do sistema para dar conta do grande volume de casos. Isso significa risco altíssimo de muita gente precisar de leito de UTI e não ter. Pelos critérios da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), isso é indicação de lockdown. Teria que fechar por 15 dias para reduzir a transmissão, essa é a forma mais rápida para desafogar a pressão sobre o sistema de saúde. Nossa situação atual é bastante delicada”, afirmou.
Na quinta 18, a taxa de ocupação chegou a 81,82% em todo o estado. Na sexta 19, a taxa registrada foi de 83,14%. No sábado 20, o índice bateu 85,55% – pior número desde 17 de julho, quando a taxa chegou a 86,97%. Já no domingo 21, o número chegou a 84,41%. Na segunda 22, 85,44%. Nesta terça-feira 23, às 16h, a taxa bateu 82,39%, com 234 leitos críticos ocupados no Rio Grande do Norte e apenas 35 leitos disponíveis.
Observando o avanço da pandemia, o Governo do Estado publicou um decreto no sábado 20 recomendando aos Municípios a ampliação de medidas restritivas para conter o avanço da pandemia da Covid-19 e evitar o colapso na rede de saúde. As medidas foram sugeridas pelo comitê científico estadual.
O decreto recomenda aos municípios, por 14 dias, a suspensão do funcionamento de bares, restaurantes e similares após às 22h para atendimento ao público, a proibição de festas ou eventos promovidos por entes públicos ou iniciativa privada, além do impedimento da venda de bebidas alcoólicas e consumo em ambientes públicos após às 22h. O documento recomenda ainda o estabelecimento de barreiras sanitárias nos municípios turísticos.
Logo em seguida, algumas gestões municipais editaram decretos baseados nas sugestões do Estado. Nesta segunda-feira 22, a Prefeitura do Natal publicou decreto determinando a limitação de funcionamento de bares e restaurantes, definindo o encerramento das atividades às 22h, incluindo as apresentações com música ao vivo. Foi proibida também a realização de festas, shows e eventos comerciais, incluindo eventos comemorativos em ambientes fechados, sejam públicos ou privados.
O decreto municipal prevê aplicação de multas aos donos dos estabelecimentos que descumprirem as determinações, de acordo com o artigo 10 da Lei Federal nº. 6.437, de 20 de agosto de 1977 – dentre elas o fechamento e a interdição do estabelecimento, além de multa no valor de até R$ 20 mil.
Sem leitos, Grande Natal começa a enviar pacientes com Covid-19 para o interior
Com a superlotação nas unidades hospitalares, pacientes começaram a ser transferidos da Grande Natal para o interior do Estado. Nesta terça-feira 23, dois pacientes internados na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Parnamirim foram levados de avião para Caicó. Na segunda-feira 22, Mossoró também recebeu alguns infectados com Covid-19.
A Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (Sesap) afirmou recentemente que está trabalhando na abertura de 64 novos leitos críticos Covid. Médicos consideram a medida importante, mas reafirmam que o principal a ser feito é frear a contaminação por meio do isolamento social e da vacinação em massa.
De acordo com o médico infectologista Alexandre Motta, apesar de necessária, a abertura de leitos por si só não é o suficiente para controlar a pandemia, já que se tornam necessários outros fatores como respiradores, insumos de UTI e profissionais da saúde habilitados para lidar com pacientes críticos.
“Isso não se forma de uma hora pra outra, os profissionais de saúde já estão trabalhando no limite da sua capacidade, principalmente quem trabalha no ambiente Covid. Então, o leito é importante, mas o fundamental é parar a pandemia”, explicou o médico.
Já Marise Reis reafirma que o caminho para frear a pandemia é através do isolamento social. “Isso é muito triste, isso é muito desapontador, porque nós já temos um ano de manejo dessa epidemia, nós sabemos como o vírus trabalha, sabemos como fugir dele, e ainda assim não conseguimos nos proteger”, lamentou.
Alexandre ressalta ainda que, apesar do sistema de vacinação brasileiro ser um dos mais eficientes do mundo, a vacinação contra a Covid-19 está acontecendo de forma extremamente lenta, devido ao embaraço do Governo Federal para a compra de vacinas disponíveis.
“Países de governos conservadores, como o Chile, já tem mais de 15% da sua população vacinada, nós ainda estamos chegando a 3%. Países extremamente conservadores, como Israel, têm mais da metade da sua população vacinada. Então não é porque o governo é conservador e de direita, é porque o governo é incompetente e não consegue dar resposta”.
Sobre o aumento da taxa de ocupação dos leitos críticos, o presidente do Sindicato dos Médicos do RN, Geraldo Ferreira, afirmou em entrevista ao Agora RN que a causa para o problema foi o “fechamento dos leitos após a primeira onda da pandemia”, no ano passado, e não necessariamente por um aumento significativo de casos.
Questionado, Alexandre classificou a afirmação de Geraldo como oportunista. “O presidente do Sindicato dos Médicos está equivocado. Estamos vivendo uma segunda onda efetiva. A razão para isso não é porque fecharam leitos, as pessoas estão morrendo porque existe um número maior de contaminados diários e existe um número maior de pessoas precisando de socorro, porque não fazemos o dever de casa, que é controlar a pandemia”, retrucou o médico.
Ivermectina contra a Covid-19
Uma das medidas defendidas não só pelo Sindicato dos Médicos do RN, como pelo prefeito de Natal, Álvaro Dias (PSDB), é o tratamento contra a Covid-19 utilizando a ivermectina, mesmo após o fabricante do remédio declarar que o medicamento é ineficaz para esse fim. Marise considera irresponsável a promoção e distribuição da ivermectina pois, segundo ela, cria-se a ilusão de que a população está protegida quando, na verdade, não está.
De acordo com Marise, uma prova de que a ivermectina não protege contra a Covid-19 é o fato de que mais de 90% dos pacientes internados com a doença em leitos de UTI no Rio Grande do Norte tomaram o medicamento de forma profilática ou logo após serem diagnosticados com o coronavírus.
Alexandre Motta acredita que defender o tratamento precoce com ivermectina quando não há eficácia comprovada é um comportamento repudiável. “Apontar coisas irrelevantes ou não verdadeiras é uma atitude que ajuda a negar a verdadeira dimensão da crise sanitária que vivemos”, disse.