PRIMEIRA MULHER A NARRAR UMA PARTIDA DE FUTEBOL NO RN QUER ABRIR CAMINHOS PARA OUTRAS NO JORNALISMO ESPORTIVO
Representatividade: é assim que podemos definir a final do Campeonato Estadual Feminino de 2021. O confronto, que aconteceu no último dia 22 entre América e União no Arena das Dunas em Natal, teve o protagonismo feminino dentro e fora de campo, isso porque pela primeira vez na história uma mulher narrou um jogo oficial de futebol no Rio Grande do Norte.
A pioneira foi a jornalista Júlia Carvalho, de 23 anos que deu ritmo a partida transmitida pela Federação Norte Rio-grandense de Futebol na TV FNF. Outro fato de destaque na cobertura foi o ineditismo de uma cabine de transmissão comandada exclusivamente por mulheres. Quem acompanhou Júlia nesse desafio foi a estudante de jornalismo da Universida de Federal do Rio Grande do Norte, Jessyanne Bezerra, que exerceu a função de comentarista.
Fã de futebol desde criança, Júlia, que se graduou pela UFRN, teve a oportunidade de adentrar mais a fundo no jornalismo esportivo em 2016 no projeto TVU Esporte, da TV Universitária. O programa que é reportado, produzido e apresentado só por estudantes mulheres abre espaço para a inserção feminina na cobertura esportiva, que é um ambiente majoritariamente ocupado por homens.
“O TVU Esporte me ensinou tudo o que eu sei sobre jornalismo esportivo. Foi a parte principal da minha trajetória, porque deu incentivo e espaço. Torço pela preservação do programa nesse formato e por uma gestão que entenda a importância do projeto em uma área que ainda é extremamente machista”, pontuou.
Apesar de ter colado grau em 2020, a jornalista teve várias experiências na área. Júlia foi voluntária nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro em 2016, estudou um semestre do curso de jornalismo na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, na mesma época foi finalista do prêmio Jovem Jornalista do Estadão e teve uma matéria publicada no veículo, a jovem ainda fez um curso de comentarista esportiva no Rio.
O convite para participar da transmissão da FNF partiu do assessor da Federação, Iuri Seabra, que viu a necessidade de ter mulheres no comando da partida. “A ideia surgiu do nosso incômodo diante de um esporte em que predomina a participação de homens, diante desse fato pensamos em exaltar a mulher e mostrar que ela também tem voz e vez”, disse Seabra. A Federação pretende continuar dando espaço para mulheres nas transmissões, segundo o assessor.
Júlia, que já nutria o interesse de enveredar pela narração esportiva, conta que de início não sabia que seria a primeira mulher do estado a dar voz a uma partida de futebol. “Depois que soube, tomei consciência da responsabilidade de um pioneirismo que vai abrir as portas para que outras mulheres tenham a mesma chance”, disse.
Para a jornalista a conquista além de ser histórica, é importante para que outras mulheres percebam que é possível sim ocupar esses espaços. “Claro que o fato de ser a primeira envolve uma conquista histórica da qual me orgulho, mas o importante mesmo é que muitas mulheres vão vir comigo”, pontuou Júlia.Júlia Carvalho durante a cobertura da final do Campeonato Feminino do RN.
Como na maioria dos espaços predominantemente ocupados por homens, o jornalismo esportivo também impõe desafios para as mulheres. Por vezes casos de assédios a jornalistas durante a cobertura esportiva ganham visibilidade na mídia. Com a intenção de combater essa triste realidade, em 2018 um grupo composto por 52 jornalistas que trabalham com esporte, entre apresentadoras, repórteres, produtoras e assessoras de vários veículos e emissoras do país, lançou a campanha Deixa Ela Trabalhar. A iniciativa tinha como objetivo lutar contra o assédio moral e sexual sofrido por nos estádios, nas ruas e nas redações.
“Lembro que a primeira vez em que estive na parte do gramado da Arena, fazendo a cobertura pela final de um estadual, era a única mulher por ali e recebi até convite de casamento de um torcedor na arquibancada. Piadinha desse tipo sempre teve”, disse Júlia.
Além do assédio, o preconceito é outra barreira para as mulheres, a descredibilização do trabalho feminino e a cobrança excessiva são recorrentes na área. “Entre colegas, considero o preconceito muito mais sutil, estão nas miudezas da convivência, que só identifica quem sofre com aquilo. O preconceito também está no fato de ter que estudar três vezes mais e errar muito menos do que eles só porque é mulher”, finalizou a jornalista.
Na mesma semana que fez história, Júlia recebeu o resultado preliminar de aprovação no mestrado na Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro ela pretende continuar sua luta pela visibilidade da mulher na área, pesquisando sobre esporte e gênero.
Teve mulher também nos comentários
Com uma história semelhante à de Júlia, a estudante Jessyanne Bezerra de 20 anos, que ficou com a missão de comentar a partida, também possui uma ligação com o esporte desde criança.
“Eu sempre me interessei por esportes no geral, mas o futebol sempre foi especial para mim. Desde pequena sempre joguei bola, no meio dos meninos mesmo e sem medo de me machucar”, disse a estudante.
Cursando o quarto semestre da graduação, a história de Jessyanne cruza com a de Júlia mais uma vez, atualmente a estudante faz parte do programa TVU Esporte da UFRN. “Tudo que aprendi lá coloquei em prática na transmissão, as meninas do projeto me acolheram e me fizeram enxergar que eu posso sim falar sobre esporte”, relatou.
O convite para participar da transmissão surgiu através de Júlia, Jessyanne encarou o desafio e agarrou a oportunidade. A estudante contou ainda, que apesar de estar participando de um momento histórico, estava confiante. Jessyanne falou sobre o quanto ter duas mulheres no comando de uma partida de futebol é representativo.
“É algo que ainda não consigo mensurar, só consigo pensar no espaço que estamos abrindo para outras meninas que possuem essa vontade e interesse. É algo histórico e a única coisa que importa é como isso vai ajudar outras pessoas”, disse.
Sobre as mudanças no cenário atual do jornalismo esportivo a estudante destacou a importância da visibilidade feminina na área. “As pessoas precisam entender que conhecimento não tem gênero e que uma mulher tem a mesma capacidade de aprender sobre o esporte como qualquer homem”, finalizou.