TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DECIDE BARRAR CANDIDATURA DE LULA
Por seis votos a um, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
barrou a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Assim ele não poderá mais tentar voltar ao cargo de presidente da República,
que ocupou entre 2003 e 2010. Foi dado um prazo de dez dias para o PT registrar
um substituto para Lula. O escolhido deve ser o ex-prefeito de São Paulo
Fernando Haddad, vice da chapa. Mais cedo, o TSE aprovou o pedido da coligação
formada por PT, PCdoB e Pros para participar da corrida presidencial deste ano
e deferiu o registro de Haddad como vice. O julgamento começou na tarde de
sexta-feira e terminou apenas na madrugada de sábado. Pela decisão tomada no
TSE, Lula não poderá fazer campanha e não poderá aparecer como candidato no
horário eleitoral.
Votaram para impedir Lula de ser candidato e fazer campanha
o relator, Luís Roberto Barroso, mais os ministros Jorge Mussi, Og Fernandes,
Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira. Rosa Weber também votou contra o registro de
candidatura, mas entendia que Lula pode fazer campanha enquanto houver
possibilidade de recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisão do
TSE. O ministro Edson Fachin foi o único a liberar a candidatura de Lula.
A maioria dos ministros concordou em aplicar a Lei da Ficha
Limpa, segundo a qual condenados em segunda instância não podem ser candidatos.
Essa é a situação de Lula, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (TRF-4) a 12 anos e um mês de prisão, por corrupção passiva e lavagem de
dinheiro, no caso do triplex do Guarujá (SP). Eles também rechaçaram a tese da
defesa de que o TSE precisa seguir a recomendação do Comitê de Direitos Humanos
da Organização das Nações Unidas (ONU) favorável à candidatura de Lula. Esse
foi o principal argumento da defesa na tentativa de liberar a candidatura de
Lula.
O primeiro a votar foi Barroso. A defesa alegou que,
enquanto puder recorrer aos tribunais superiores para reverter a condenação
imposta pelo TRF-4, Lula estaria "sub judice", ou seja, sem uma
decisão final. E candidatos "sub judice" podem continuar fazendo
campanha. Barroso, porém, disse que essa regra se aplica apenas a candidaturas
sem decisão do TSE, e não de outros tribunais. Rosa Weber, última a votar,
discordou do relator neste ponto.
— É preciso admitir, em consequência, que a negativa de
registro, enquanto não transitar em julgado, leva a candidatura a permanecer
"sub judice". Cabendo revisão da decisão, não se pode impor ao
postulante prejuízo irrecuperável. O postulante a cargo eleito tem assegurado,
enquanto não transitou em julgado, direito de participar da campanha, inclusive
com participação no rádio e na TV e ter o nome mantido na urna — afirmou Rosa.
RECOMENDAÇÃO DA ONU
Barroso afirmou que o comitê da ONU é um órgão
administrativo, sem competência jurisdicional. Portanto, suas recomendações não
são de aplicação obrigatória pelo Judiciário. Ele também ressaltou que a
criação do comitê não foi subscrita formalmente pelo Brasil — portanto, o país
não teria a obrigação de seguir suas recomendações.
Outro problema, segundo o ministro, é que Lula fez a
comunicação ao órgão internacional antes de esgotados todos os recursos
judiciais no país, o que não seria um procedimento padrão em direito
internacional. Barroso acrescentou que a ONU tomou a decisão sem ao menos ter
ouvido o estado brasileiro sobre o assunto. Em contrapartida, o ministro
ressaltou que o Judiciário brasileiro é uma instituição independente e não pode
ser orientado por um órgão internacional.
— Apesar do respeito e consideração que merece, a
recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, quanto ao efeito de
elegibilidade do candidato, não pode ser acatada por este tribunal — concluiu
Barroso.
O ministro Edson Fachin discordou. Para ele, a decisão do
comitê da ONU se sobrepõe à Lei da Ficha Limpa e tem efeito vinculante, ou
seja, o Brasil é obrigado a cumpri-la.
— Em face da medida provisória concedida pela ONU, se impõe,
em caráter provisório, reconhecer o direito, mesmo preso, de se candidatar às
eleições de 2018 — disse Fachin.
Ele explicou que escreveu um voto em nome da segurança jurídica,
independente de suas convicções pessoais.
— A segurança jurídica está acima da minha convicção
individual, está acima das convicções coletivas. O Judiciário não escreve a
Constituição, nem edita leis; ele cumpre as regras e faz cumpri-las,
independente do tato, da audição e de todos os sentidos do julgador.
Concordando-se ou não a decisão do comitê, impende cumprir, enquanto durar, a
medida provisória — declarou o ministro, concluindo: — Não vejo espaço
constitucional para afastar a decisão do Comitê da ONU.
Os demais ministros seguiram Barroso.
— Mesmo o mecanismo de denúncia individual perante o Comitê
de Direitos Humanos da ONU leva a concluir que não detém força obrigatória ou
vinculante. E tampouco qualquer sanção é prevista na hipótese de o Estado não
conferir cumprimento — votou Rosa Weber.
— A medida concedida (pelo comitê da ONU) para que o Estado
brasileiro garanta ao candidato o direito de concorrer não constitui fato
superveniente a afastar a inelegibilidade — disse o ministro Og Fernandes, que
ainda afirmou: — Nós estamos no fundo discutindo poder e a melhor forma de
empalmar o poder é através da paz. O que se julga nesta sessão não é a
indiscutível popularidade de uma liderança politica, nem questões postas na
seara penal. O que estamos a discutir é a igualdade de todos perante a lei e
também perante a Constituição. Isso implica resistir a um Estado anticonstitucional
ou aconstitucional. Noutros termos, se a lei vale para uns, há que valer para
todos.
— Não é possível subordinar os comandos constitucionais à
recomendação exarada pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU — disse Admar
Gonzaga.
— A manifestação da ONU, por mais respeitosa que seja, não
tem o condão de suspender a inelegibilidade, ainda mais por prazo incompatível
com o processo eleitoral brasileiro em curso — declarou o ministro Tarcísio
Vieira, afirmando ainda que a decisão do órgão internacional deveria primeiro
ser analisada pela justiça comum, responsável pela condenação penal de Lula,
para depois ser avaliada pela Justiça Eleitoral.
ELOGIOS À LEI DA FICHA LIMPA
Segundo Barroso, Lula, quando era presidente da República em
2010, sancionou a Lei da Ficha Limpa "com loas". O ministro também
disse que a lei não foi fruto de um golpe nem de decisão de gabinetes, mas o
resultado de uma mobilização popular que reuniu mais de 1,5 milhão de
assinaturas para a apresentação de um projeto de iniciativa popular que,
depois, viria a ser aprovado pelo Congresso. Além disso, foi posteriormente
validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
— A lei foi aprovada na Câmara e no Senado com expressiva
votação e foi sancionada com loas pelo presidente da República. A lei desfruta
de um elevado grau de legitimidade democrática, de manifestação genuína do
sentimento do povo brasileiro. A sua constitucionalidade todavia foi
questionada perante o Supremo Tribunal Federal em mais de uma ação, inclusive e
sobretudo no capítulo que previa que a inelegibilidade surgiria após a decisão
de um órgão colegiado. E o Supremo afirmou que a Lei da Ficha Limpa é
compatível com a Constituição e que realiza a exigência constitucional de
probidade, de moralidade, de vida pregressa prevista no texto constitucional —
afirmou Barroso.
Segundo ele, a defesa de Lula tem o direito de contestar sua
condenação na Justiça Federal, mas que não cabe ao TSE analisar isso. A Justiça
Eleitoral decide apenas se ele está elegível ou não. O ex-presidente tem
condições de reverter ainda sua condenação no STF e no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), mas, por enquanto, continua válida a decisão do TRF-4.
— Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou
desacerto (da condenação de Lula). Quem poderá fazer isso ainda é o Supremo
Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça. O presidente não está sendo
julgado de novo (no TSE). Terá seus recursos julgados pelos órgãos competentes
da justiça brasileira, que não é a Justiça Eleitoral — afirmou Barroso.
Outros ministros concordaram com ele. Jorge Mussi disse, por
exemplo, que a Lei da Ficha Limpa afastou das eleições candidatos com
"condutas antecedentes pouco republicanas" e teve sua
constitucionalidade atestada pelo STF.
— Decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal tem
eficácia contra todos e efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do
poder Judiciário, incluindo este órgão da Justiça especializada (TSE). Em
resumo, a Lei da Ficha Limpa, cuja constitucionalidade foi reconhecida, repito,
pelo Supremo Tribunal Federal, representa essencial mecanismo de iniciativa
popular para a proteção da probidade administrativa e da moralidade para exercício
do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e aplica-se de modo
pleno a todos os cidadãos que desejam postular candidatura a cargo eletivo —
afirmou o ministro Jorge Mussi, acrescentando — A inelegibilidade do candidato
ora impugnado é patente, é induvidosa, é cristalina, não cabendo à Justiça
Eleitoral discutir o acerto ou desacerto da condenação.
— Não tenho dúvida de que se aplica a Lei da Ficha Limpa,
onde se consagra, são inelegíveis os que forem condenados em decisão transitada
em julgado ou órgão colegiado. Nessa hipótese, concretizado suporte fático,
impõe-se o indeferimento de registro de candidatura — afirmou Rosa Weber.
— Se a condenação foi justa ou injusta, cabe ao Superior
Tribunal de Justiça deliberar a respeito — disse Admar.
BARROSO NEGA ATROPELO
No início do voto, Barroso explicou o motivo de ter pedido
para a presidente do tribunal, ministra Rosa Weber, marcar uma sessão
extraordinária para esta sexta-feira, na véspera do início do horário eleitoral
gratuito dos presidenciáveis no rádio e na TV. A defesa tinha pedido um prazo
adicional para que as pessoas que contestaram a candidatura se manifestassem
sobre o documento novo apresentado pela defesa, ou seja, a recomendação do
comitê da ONU. A manifestação dos advogados de Lula foi entregue no fim da
noite de anteontem, quase no fim do prazo.
— Não tenho qualquer interesse nessa vida que não seja o bem
do Brasil, nem pessoais, nem políticos, nem ideológicos. Minha única
preocupação é a defesa da Constituição e da democracia. Neste momento complexo
e polarizado da vida nacional, estou convencido de que a melhor alternativa
para o bem do Brasil é que a Justiça Eleitoral defina o quadro dos candidatos a
presidente da República antes do começo do horário eleitoral gratuito. Essa é
uma etapa decisiva da campanha eleitoral. Foi por essa razão que, respeitando
todos os prazos legais, estou trazendo esse processo para julgamento. Não há
qualquer razão para o TSE contribuir para a indefinição e para a insegurança
jurídica e política no país — afirmou Barroso.
O ministro reconheceu que o tempo para análise foi curto.
Mas disse que, se o processo não fosse levado ao plenário em sessão
extraordinária, ele teria que decidir sozinho o registro, em uma decisão
monocrática, sem consultar os colegas em plenário. Para Barroso, a defesa foi
privilegiada no julgamento, porque teve a chance de fazer sustentações orais e
de ter todos os ministros da Corte votando em uma sessão pública.
— Não houve nem atropelo, nem tratamento desigual —
declarou, concluindo: — O que o TSE está fazendo é procurar assegurar os
direitos do impugnado e os direitos da sociedade brasileira de terem, por
decisão judicial, todos os candidatos definidos, sem o risco de gerara uma
situação em que, ao meio do caminho, tivesse que se fazer uma substituição (da
candidatura).
Após o voto do Barroso, a presidente da corte, ministra Rosa
Weber, propôs continuar a análise do pedido de registro de candidatura na
semana que vem. Por maioria, os ministros rejeitaram a ideia e prosseguiram com
o julgamento. Ao todo, foram apresentadas 17 contestações à candidatura de
Lula. Barroso rejeitou duas delas sem sequer analisar seus argumentos, por
entender que seus autores não tinham legitimidade para questionar o pedido de
registro de Lula.
DEFESA PEDIU RESPEITO
Antes dos votos dos ministros, foi dada a palavra a dois dos
advogados de Lula, Maria Claudia Bucchianeri e Luiz Fernando Casagrande
Pereira, e à procuradora-geral da República e procuradora-geral eleitoral,
Raquel Dodge. Além deles, também falaram Tiago Ayres, advogado do
presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), e Marilda Silveira, advogada do Partido
Novo, que, assim como Dodge, também apresentaram pedidos para tentar impedir
Lula de ser candidato.
Maria Claudia lembrou que, em outros processos, o STF já
declarou a obrigatoriedade de o país seguir a orientação de tratados
internacionais que subscreve. Assim, deveria seguir a recomendação do comitê da
ONU. Já Luiz Fernando negou que a defesa tenha feito qualquer chicana, ou seja,
movimentos para retardar o julgamento, o que poderia estender o período em que
Lula pode ser candidato.
— O que está aqui a decidir nesta Corte é de que forma um
tribunal brasileiro deve receber uma decisão da ONU que clama: respeite os
direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — disse Maria
Claudia.
Dodge, por outro lado, disse que o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, que prevê o comitê da ONU, ainda não foi promulgado
pelo Brasil. Indo além, afirmou que a Lei da Ficha Limpa surgiu para proteger
os direitos humanos na medida em que impede condenados de serem eleitos e
representarem o povo. Segundo ela, supostas violações de direitos humanos devem
ser questionados nos tribunais responsáveis por julgar Lula criminalmente, e
não no TSE, que decide apenas se ele é elegível ou não.
— A Lei da Ficha Limpa traz restrições e fundamentos
associados à defesa de direitos humanos como o direito à boa governança e à
democracia —afirmou Dodge, que ainda disse: — Corrupção mata!