AUMENTO NA INCIDÊNCIA DO VÍRUS HIV ACENDE ALERTA


O vírus causador da Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) vem afetando mais brasileiros nos últimos anos, com um aumento de 17% entre os anos de 2020 e 2022, segundo o Boletim Epidemiológico de 2023, o mais recente do Ministério da Saúde. O médico infectologista Igor Thiago, presidente da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), relata sobre o cenário que vem levando a esse aumento, e alerta que espera para os dados de 2024 um aumento muito grave da infecção entre o público de 15 a 29 anos.

Popularmente conhecida pela abreviação em inglês, o Vírus da Imunodeficiência Humana afeta o sistema imunológico do indivíduo infectado, atingindo as células linfócitos T-CD4+, sendo também capaz de alterar o DNA destas células de defesa. Classificado como retrovírus, o HIV é uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST) conhecida pelo caráter silencioso do seu período de incubação, podendo levar anos até que seus sintomas surjam.
A síndrome foi reconhecida nos anos 1980, após seus infectados apresentarem quadros graves de doenças que seriam facilmente controladas por corpos saudáveis, pondo em destaque a baixa capacidade imunológica dos indivíduos acometidos pela doença.

O vírus HIV vem afetando mais brasileiros nos últimos anos, com um aumento de 17% entre os anos de 2020 e 2022, segundo o Boletim Epidemiológico de 2023, o mais recente do Ministério da Saúde | FOTO: cedida

O infectologista Igor Thiago reconhece a falta de debate sobre a doença que, no passado, foi um tema recorrente na mídia e nos espaços de conversa. “Talvez essa alta se dê pela perda do medo que antigamente existia. Nós víamos atores, atletas e famosos que contraíram a doença, e até morriam, então marcou aquela geração ali dos anos 1980 e 1990. Hoje é como se as pessoas tivessem subestimado a presença da doença, tratam como se fosse algo impossível de contrair, e o reflexo disso nós vemos nos números dos últimos anos”, relata Igor.

No Brasil, os dados dos casos de Aids notificados no Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) registram 48% de pessoas pardas, seguidos por 33% brancas e 11% pretas. Reconhecendo o fator democrático da infecção, o médico destaca que hoje a síndrome afeta raças e classes sociais diversas, o que aumenta a sua preocupação sobre o futuro da infecção no Brasil.

“Temos a ideia de que o HIV atinge apenas jovens, mas há uma alta relevante do número de casos entre pessoas a partir de 50 e 60 anos, e isso se dá muito pela redescoberta da sexualidade”, destaca o infectologista. Associando o aumento às modernidades dos tempos atuais, o médico vê o avanço das ideologias e da tecnologia farmacêutica como possíveis razões para o aumento do número de infectados acima dos 50 anos.

“Hoje em dia as pessoas têm maior longevidade, então há maior mudança de parceiros após essa idade. Principalmente com os estimulantes sexuais, as medicações que aumentam a potência masculina, que acabam por influenciar a continuidade de hábitos antigos de pessoas de 50, 60 anos, que não utilizaram preservativo na juventude, e hoje continuam a se expor e acabam passando o vírus para o seu companheiro ou companheira”, explica Igor.

Entre 2020 e 2022, houve um aumento de 43% de casos notificados de Aids entre o público de 60 anos ou mais. O Boletim Epidemiológico também aponta no período mais de 12 mil óbitos entre o público acima de 50 anos de idade, enquanto, apenas em 2022, aproximadamente 11 mil pessoas com HIV morreram no Brasil.

O médico também associa o aumento das infecções ao maior diálogo sobre sexualidade nos últimos anos, que deixou de ser tabu para ser ponto debatido corriqueiramente, com novas formas de se relacionar e de compreender os relacionamentos. “Hoje em dia a sexualidade é mais aberta, se tornou um conceito mais fluido, sem pressões e paradigmas antigos, mas isso acaba tornando o indivíduo mais exposto a infecções, por terem mais relações e mais parceiros. Por isso, o retorno do debate sobre as devidas precauções está mais necessário do que nunca”, alerta Igor Thiago.

Com a perda do tabu que a sexualidade antes possuía, é possível ver o reflexo na cultura e conteúdo consumido pelos jovens, que é alertado pelo infectologista como um dos fatores que podem incentivar o abandono dos cuidados para a prevenção de ISTs. “As músicas que fazem mais sucesso hoje em dia são músicas com conteúdo sexual, que incentivam as práticas e, por vezes, até o estímulo à prática sem o uso de preservativo. Então assim, não é que não deva falar sobre, nem tornar tabu novamente, mas é preciso estimular a proteção”, destaca Igor Thiago.

Entre jovens de 20 a 29 anos aconteceu um aumento de 178% do número de casos de HIV entre 2012 e 2022, registrando um total de 15.822 casos em 2022. “É necessário um maior diálogo sobre as formas de proteção nas escolas e através de campanhas públicas, pois é um problema que está afetando as pessoas de todas as idades. Hoje, o HIV se tornou uma doença que não tem mais cara nem cor da pele, ela está no preto e no branco, no pobre e no rico, no homem e na mulher”, explica o presidente da SRGI.

“Eu vejo nos boletins epidemiológicos que 90% das infecções que se têm no Brasil são infecções sexuais, então o problema é a falta de prevenção. É difícil dizer que há políticas públicas suficientes, pois os casos seguem em crescimento, mas existem campanhas e facilitadores para que esses números possam reduzir, por isso acredito que seja uma questão de falta de divulgação sobre a doença”, pontua Igor.

Medidas profiláticas

Apesar da ampla existência de medidas profiláticas para a doença, a única forma de prevenção do vírus é com o uso de preservativo, masculino ou feminino. Há também a profilaxia pré e pós exposição, chamada PrEP e PeP, que atuam ‘bloqueando’ a transmissão e a multiplicação do vírus, utilizados inclusive em gestantes soropositivas para não transmitirem o vírus aos seus filhos.

Dentre as campanhas existentes sobre a conscientização do HIV, tem o Dezembro Vermelho, campanha nacional que tem como objetivo mobilizar o país na luta contra o HIV e as ISTs. Durante o mês os governos estaduais e federal realizam ações para levar à população informações sobre a prevenção, assistência e a proteção dos direitos das pessoas infectadas com o vírus.

“Os preservativos e medicamentos podem ser facilmente adquiridos em unidades de saúde, e os testes de HIV também estão disponíveis em qualquer UPA ou UBS. Mas mesmo com as formas de prevenção e profilaxia, é importante ter o acompanhamento médico para as medidas serem instruídas e avaliadas em cada situação”, alerta o infectologista.