COM RESERVAS ABAIXO DE 40%, RN TEM 74% DOS MUNICÍPIOS EM EMERGÊNCIA


Com a redução das chuvas ao longo de 2025 e a ausência de recarga significativa nos principais mananciais, o Rio Grande do Norte atravessa um dos períodos mais delicados do ponto de vista hídrico dos últimos anos. Dados atualizados do Instituto de Gestão das Águas do RN (Igarn) mostram que os 69 reservatórios monitorados no estado acumulam atualmente 2,09 bilhões de metros cúbicos de água, o equivalente a 39,63% da capacidade total. Do total de mananciais acompanhados, 55 estão abaixo de 50% do volume e 16 operam em situação crítica, com menos de 10%, cenário que se concentra principalmente nas regiões do Seridó e do Alto Oeste potiguar.


Segundo o Igarn, “neste período do ano, em razão da baixa incidência de chuvas em todo o Rio Grande do Norte, o comportamento esperado é o rebaixamento das reservas hídricas”, com possibilidade de alguma recarga apenas a partir de fevereiro, durante a quadra chuvosa. Para 2026, a expectativa técnica do órgão é de que as chuvas fiquem ao menos dentro da média histórica, cenário que seria suficiente para garantir o abastecimento humano, desde que os sistemas de adução estejam plenamente operacionais.

A situação dos reservatórios se reflete diretamente no cotidiano da população. Dados da Defesa Civil apontam que 124 dos 167 municípios potiguares estão atualmente com decreto de situação de emergência reconhecido em decorrência da seca. Desses, 82 são atendidos pela Operação Carro-Pipa na zona rural, beneficiando cerca de 88 mil pessoas com o uso de 225 veículos. Além disso, 75 municípios já estão aptos a receber cestas básicas do Ministério do Desenvolvimento Social, enquanto outros 29 seguem em análise, totalizando 104 localidades contempladas.

Para a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), a situação atual é considerada preocupante em decorrência da falta de chuva em praticamente todo o território do RN. “O Estado do Rio Grande do Norte já vem num planejamento de curto e médio prazo, executando obras estruturantes na região do Seridó, que é a implantação do Projeto do Sistema Adutor Seridó Norte, em parceria com o Governo Federal, e que está previsto entrar em operação no segundo semestre de 2026, com captação na Armando Ribeiro Gonçalves, além do início das obras da Adutora do Agreste Potiguar”, explica. A pasta estadual também ressaltou a recuperação de 28 barragens em diferentes regiões do estado, com investimento superior a R$ 18 milhões.

Esses números da seca estão sendo vivenciados mesmo após a chegada das águas do Rio São Francisco ao Rio Grande do Norte, iniciada em 13 de agosto. O Projeto de Integração de Águas do Rio São Francisco (PISF), possui 477 quilômetros de extensão, distribuídos nos eixos Norte e Leste, com capacidade de beneficiar cerca de 12 milhões de pessoas em 390 municípios de quatro estados do Nordeste. Pelo Eixo Norte, que atende diretamente o Seridó potiguar, a água parte de Cabrobó, em Pernambuco, atravessa a Paraíba e o Ceará até alcançar o território potiguar, com vazão inicial de 2,95 metros cúbicos por segundo.

Segundo a Semarh, a chegada das águas do Rio São Francisco no estado do RN se dá através de duas bacias hidrográficas: a do Apodi-Mossoró e a do Piancó-Piranhas-Açu, sendo que, neste momento, o aporte está ocorrendo apenas no Piancó-Piranhas-Açu. A pasta explica que as águas estão sendo armazenadas na Barragem Oiticica, que, a partir dela, atende a um conjunto de sistemas adutores.

“Na Bacia Hidrográfica do Rio Apodi-Mossoró, essas águas entraram a partir do reservatório de Angicos e depois transferirão as águas até a Barragem de Pau dos Ferros, permitindo que cheguem à Barragem de Santa Cruz do Apodi. Por enquanto, a previsão para a chegada das águas na Bacia Hidrográfica do Rio Apodi-Mossoró é para o segundo semestre de 2026”, esclarece a Semarh.

Risco produtivo no campo

O presidente do Sistema Faern/Senar, José Vieira, avalia que a estiagem em curso no Rio Grande do Norte já ultrapassa o campo climático e se consolida como um problema socioeconômico de grandes proporções, especialmente no meio rural. Segundo ele, a redução das chuvas nas principais regiões produtoras compromete a disponibilidade de água e forragem, eleva custos e pressiona a renda dos produtores, com reflexos diretos sobre cadeias estratégicas da agropecuária potiguar.

“O impacto é transversal, mas a pecuária leiteira vive um momento dramático. A falta de pastagem e água eleva os custos de produção, forçando o produtor a vender matrizes para o abate, o que destrói o patrimônio genético construído em décadas. A agricultura de sequeiro (milho e feijão) registra perdas quase totais em diversas localidades devido à falta de umidade no solo. Além disso, a ovinocaprinocultura e a cana-de-açúcar enfrentam o esgotamento das reservas hídricas, o que inviabiliza a manutenção produtiva em curto prazo”, relata José Vieira.

Para a entidade, as ações adotadas até o momento ainda não acompanham a dimensão do problema e exigem reforço imediato. Vieira defende a ampliação de medidas emergenciais, como o fortalecimento da Operação Carro-Pipa e o acesso facilitado a insumos e crédito, além da aceleração de obras estruturantes de infraestrutura hídrica. Na avaliação do presidente da Faern, sem uma resposta mais robusta e uma recarga significativa dos reservatórios no próximo período chuvoso, “o risco não é apenas a perda da safra atual, mas a descapitalização total do produtor, que pode não ter recursos para retomar as atividades no futuro”.

A estiagem também afeta diretamente os assentamentos da reforma agrária espalhados pelo estado. De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), dos 124 municípios potiguares que tiveram situação de emergência reconhecida pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), 50 possuem Projetos de Assentamento, totalizando 219 áreas. O órgão ressalta, no entanto, que não é possível precisar quantos desses assentamentos enfrentam, neste momento, situação crítica de abastecimento de água, uma vez que o decreto municipal de emergência não significa, necessariamente, dificuldade hídrica em todas as comunidades rurais.

Para minimizar os impactos da seca, o Incra informa que tem priorizado os assentamentos da reforma agrária em ações voltadas à segurança hídrica. “Até o momento, 44 assentamentos no Rio Grande do Norte contam com dessalinizadores instalados por meio do programa. Além disso, por meio da Divisão de Infraestrutura, em parceria com entes governamentais ou de forma direta, o Incra viabiliza a estrutura básica dos assentamentos”, informou a pasta. Além disso, o Incra ressalta que garante aos assentados do Semiárido o acesso à linha de crédito Semiárido, de até R$ 16 mil por família, destinada a ações de captação, armazenamento e distribuição de água.

O secretário estadual da Agricultura, da Pecuária e da Pesca (Sape), Guilherme Saldanha, avalia que a estiagem provocou perdas severas na produção agropecuária do Rio Grande do Norte em 2025. Embora os números oficiais ainda estejam em consolidação pelo IBGE, a estimativa do setor é de que os prejuízos variem entre 70% e 80% nas regiões mais atingidas do estado. “Exceto a região litorânea, um pouco menos atingida, todas as demais regiões do estado também foram severamente atingidas”, explica.

De acordo com Saldanha, houve agravamento do quadro em diferentes áreas do estado, com destaque para o Seridó, onde a seca avançou de grave para extrema. “A seca grave avançou sobre as regiões Vale do Apodi, Sertão Central e Oeste. Enquanto a seca moderada avançou para regiões Potengi, Mato Grande e partes do Trairi. A seca fraca permaneceu sobre a porção Leste do estado com pequeno avanço sobre o Litoral Norte e partes da região Metropolitana”, aponta. A pasta agora aguarda a divulgação das previsões climáticas para a quadra chuvosa de 2026 por institutos meteorológicos do Nordeste e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).