FÁBRICA DE POLPA DE FRUTAS TRANSFORMA VIDA DE MULHERES AGRICULTORAS


Dona Francisca de Lurdes, conhecida como Neguinha,sempre sonhou em ter seu próprio pedacinho de terra. Ela morava em Angicos e vivia da agricultura junto com o marido, mas “a terra era dos outros”, ela relembra. Foi nos anos 90 que sua oportunidade surgiu. Através do seu irmão, conseguiu um lote de terra no assentamento Mulunguzinho, zona rural de Mossoró, região Oeste do Rio Grande do Norte. Isso transformou a sua vida.

Depois de se mudar de cidade, conseguiu construir uma casa de taipa. Em seguida veio água, veio luz e a vida no assentamento de lá para cá “melhorou 100%”, diz ela. Dentro destas mudanças, está a chegada da agrovila (distrito agrícola com infraestrutura fornecida pelo poder público) e de uma fábrica de polpas de frutas, que melhorou a vida não só de Neguinha, mas de um grupo de 11 mulheres.

“Decididas a vencer” é o grupo criado há mais de 20 anos pelas mulheres agricultoras que mudaram toda uma cultura numa localidade onde os homens eram os provedores dos lares, e passaram a complementar ativamente a renda a partir de seus quintais produtivos, com a produção das polpas de frutas, desde a colheita até o beneficiamento das polpas.


Na família de dona Neguinha, além dela, as duas filhas, Toinha e Fátima, fazem parte do grupo, que produz cerca de 200 quilos de polpas de frutas por dia, complementando a renda na casa de cada uma e ajudando os seis familiares no total.

No entanto, a produção não começou assim. No início, elas preparavam as polpas em casa, das frutas do próprio quintal e de forma artesanal. Quando surgiu a necessidade de ampliar a produção e a renda, elas foram em busca da regulamentação da atividade com as outras mulheres.

Após um período de lutas, uma fábrica de polpas foi montada em 2021 com recursos do governo do RN, resultado de um acordo de empréstimo com o Banco Mundial por meio do projeto Governo Cidadão. O investimento total foi de 592 mil reais. A parceria com a Rede Xique-Xique, associação que apoia mulheres na comercialização de produtos da agricultura familiar, foi fundamental para a conquista do espaço.


“Foi muito bom. Na fábrica agora temos todo o equipamento. Antes em casa era só a seladora, o liquidificador industrial e o processador. Hoje tem despolpadeira, o liquidificador industrial, a câmara fria”, descreve Neguinha.

A produção deu um salto e deixou de ser vendida porta a porta na casa de familiares, para um público maior. Com o selo de qualidade certificado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), elas podem negociar em qualquer lugar do Brasil e firmar, inclusive, convênios públicos, conforme explica Ivoneide Alves, coordenadora de produção da unidade de polpas.

Atualmente, elas comercializam na Rede Xique-Xique, em escolas públicas dos municípios de Grossos, Mossoró e Tibau, em escolas privadas, em feiras pelo Estado, a empresas de cervejas artesanais, em mercadinhos e através da Federação da União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes).

“A gente, mulher, se desdobra em mil se for possível, porque além do trabalho de casa, temos (o trabalho) da fábrica, do campo na época de plantação e de colheita. A gente dá conta e é uma coisa que a gente faz com amor; não é muito fácil, mas não é impossível”, observa Neguinha, quando fala sobre o acúmulo de funções como agricultora, empreendedora, dona de casa, esposa e mãe.

Desafios

Apesar do avanço alcançado com a chegada da fábrica, Neguinha elenca ainda algumas melhorias que poderiam ser adquiridas para o negócio avançar ainda mais.

Uma delas está prestes a ser solucionada através uma emenda da deputada estadual Isolda Dantas (PT). É a necessidade de aquisição de uma nova câmara fria. Como as frutas não podem ser armazenadas junto com as polpas, na época de colheitas não há onde armazenar as frutas e às vezes elas perdem o carregamento.

A burocracia no pagamento das frutas é outro desafio. Para ela, o intervalo sem recebimento dificulta a compra de novas frutas dos quintais fornecedores vizinhos, já que o que produzem nos próprios quintais não tem sido suficiente para a demanda.

“Às vezes a gente quer produzir e não consegue porque nos falta o fornecedor, porque falta o pagamento para ele. O apurado mensal vai de acordo com o que a gente recebe. Não é esse tanto todo porque falta fruta. Por mês a gente teria condição de produzir quase quatro mil quilos de polpa. Como falta, não temos capital para comprar 40 caixas de manga, 40 de acerola, para a produção. Faz duas semanas que estou parada por causa disso”, explica.

Neneide Lima, presidente da Cooperxique, um dos braços da Rede Xique-Xique no apoio às agricultoras, explica que, apesar das mulheres terem a opção de buscarem outros mercados com vendas independentes, “as agricultoras sofrem” pela questão dos pagamentos pelos convênios.

“Isso ainda é um empecilho grande, porque a falta capital de giro das cooperativas ressalta a falta de pagamento regular por parte das compras públicas. Se as prefeituras pagassem com 30 dias, resolveria, só que as vezes passa 60, 90 dias para receber o dinheiro. Isso é ruim para as mulheres e para o cooperativismo”, explica Neneide.

Um terceiro desafio descrito pela agricultora Neguinha é comum a muitos quintais do sertão nordestino. A falta de chuvas. Em 2023, especificamente, “a fruta está fraca até para quem tem quantidade de plantação”. Segundo ela, não vai ser o esperado para o caju e a castanha de Serra do Mel, por exemplo. Já no Mulunguzinho, faltou a manga. O fornecedor da produção de Neguinha, Toinha e Fátima, só teve a fruta para o consumo próprio esse ano.

Mesmo assim, ela ainda tem “fé que vai melhorar mais ainda”, finaliza.