‘O GOVERNO É UM DESERTO DE IDEIAS’, AFIRMA MAIA
O presidente da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM-RJ), disse ao Estado que o governo não tem projeto para o País
além da reforma da Previdência. Um dia após ameaçar deixar a
articulação política para a aprovação das mudanças na aposentadoria, por causa
dos ataques recebidos nas redes sociais pelo vereador Carlos
Bolsonaro (PSC-RJ), Maia calibrou o discurso e assegurou a continuidade do
trabalho. Fez, porém, várias críticas e advertiu que o presidente Jair
Bolsonaro precisa deixar o Twitter de lado, além da “disputa do mal contra o
bem”, e se empenhar para melhorar a vida da população.
“O governo é um deserto de ideias”, declarou Maia. “Se tem
propostas, eu não as conheço. Qual é o projeto do governo Bolsonaro fora a
Previdência? Não se sabe”. Na avaliação do presidente da Câmara, o ministro da
Economia, Paulo Guedes, é “uma ilha” dentro do Executivo.
Ao ser lembrado de que Bolsonaro comparou possíveis
dificuldades no relacionamento às brigas de um namoro, Maia disse que, se o
presidente ficar sem conversar com ele até o fim do mandato, não haverá
problema. "Não preciso falar com ele. O problema é que ele tem de
conseguir várias namoradas no Congresso. São os outros 307 votos que ele
precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da
fila", argumentou.
Neste sábado, em Brasília, Maia
afirmou que os atritos com o governo são "página virada". "O
que a gente precisa é mostrar para a sociedade que a gente tem
responsabilidade, que o governo tem responsabilidade, que o governo vai sair de
conflitos nas redes sociais e vai para o mundo real."
Por que o sr. decidiu abandonar a articulação da reforma da
Previdência?
Apenas entendo que o governo eleito não pode terceirizar sua
responsabilidade. O presidente precisa assumir a liderança, ser mais proativo.
O discurso dele é: sou contra a reforma, mas fui obrigado a mandá-la ou o
Brasil quebra. Ele dá sinalização de insegurança ao Parlamento. Ele tem que
assumir o discurso que faz o ministro Paulo Guedes. Hoje, o governo não tem
base. Não sou eu que vou organizar a base. O presidente da Câmara sozinho, em
uma matéria como a reforma da Previdência, não tem capacidade de conseguir 308
votos.
Mas o sr. continua à frente da articulação?
Dentro do meu quadrado, sim. Agora, acho que quanto mais
eles tentam trazer para mim a responsabilidade do governo, mais está piorando a
relação do governo com o Parlamento. O governo precisa vir a público de forma
mais objetiva, com mais clareza, com mais energia na votação da reforma.
O que o presidente Bolsonaro precisa fazer?
Ele precisa construir um diálogo com o Parlamento, com os
líderes, com os partidos. Não pode ficar a informação de que o meu diálogo é
pelo toma lá, dá cá. A gente tem que parar com essa conversa. Como o presidente
vê a política? O que é a nova política para ele? Ele precisa colocar em prática
a nova política. Tanto é verdade que ele não colocou que tem (apenas) 50
deputados na base. Faço o alerta: se o governo não organizar sua base, se não
construir o diálogo com os deputados, vai ser muito difícil aprovar a reforma
da Previdência. O ciclo dos últimos 30 anos acabou e agora se abre um novo
ciclo. Ele precisa saber o que colocar no lugar. O Executivo precisa ser um
ator ativo nesse processo político.
E não está sendo?
De forma nenhuma. Ele está transferindo para a presidência
da Câmara e do Senado uma responsabilidade que é dele. Então, ele fica só com o
bônus e eu fico com o ônus de ganhar ou perder. Se ganhar, ganhei com eles. Se
perder, perdi sozinho. Isso, para uma matéria como a Previdência, é muito
grave. Porque não é qualquer votação. É a votação que vai dizer o que o Brasil
quer. Se é reduzir o número de desempregados, reduzir o número de pobres no
Brasil. Se o Brasil quer voltar a poder investir em saúde e educação ou se o
Brasil vai ter hiperinflação. Não é uma votação qualquer, para você falar
"leva que o filho é teu". Não é assim. É uma matéria que será um
divisor de águas inclusive para o governo Bolsonaro. Então, ele precisa assumir
protagonismo. Foi isso o que eu falei. Não vou deixar de defender as coisas sobre
as quais tenho convicção porque brigo com A, B ou C. Meu papel institucional
não é usar a presidência da Câmara para ameaçar o governo.
Mas o sr. ficou bastante contrariado com os ataques da rede
bolsonarista na internet...
Não é que eu fiquei incomodado. O que acontece é que o
Brasil viveu sua maior recessão no governo Dilma, melhorou um pouco no último
governo, só que a vida das pessoas continua indo muito mal. Então, na hora em
que a gente está trabalhando uma matéria tão importante como a Previdência, e a
rede próxima ao presidente é instrumento de ataque a pessoas que estão ajudando
nessa reforma, eu posso chegar à conclusão de que, por trás disso, está a
vontade do governo de não votar a Previdência. Não fui só eu que fui criticado.
Todo mundo que de alguma forma fez alguma crítica ao governo recebe os maiores
"elogios" da rede dos Bolsonaro. Isso é ruim porque você não
respeitar e não receber com reflexão uma crítica não é um sinal de espírito
democrático correto.
O posicionamento do vereador Carlos Bolsonaro nas redes
sociais atrapalha o governo?
O Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real.
Ninguém consegue emprego, vaga na escola, creche, hospital por causa do
Twitter. Precisamos que o País volte a ter projeto. Qual é o projeto do governo
Bolsonaro, fora a Previdência? Fora o projeto do ministro (Sérgio) Moro? Não se
sabe. Qual é o projeto de um partido de direita para acabar com a extrema
pobreza? Criticaram tanto o Bolsa Família e não propuseram nada até agora no
lugar. Criticaram tanto a evasão escolar de jovens e agora a gente não sabe o
que o governo pensa para os jovens e para as crianças de zero a três anos. O
governo é um deserto de ideias.
O sr. está dizendo que o governo não tem proposta?
Se tem propostas, eu não as conheço.
Há uma nova versão do 'nós contra eles'?
Eles construíram nos últimos anos o 'nós contra eles'. Nós,
liberais, contra os comunistas. O discurso de Bolsonaro foi esse. Para eles,
essa disputa do mal contra o bem, do sim contra o não, do quente contra o frio
é o que alimenta a relação com parte da sociedade. Só que agora eles venceram
as eleições. E, em um país democrático, não é essa ruptura proposta que vai
resolver o problema. O Brasil não ganha nada trabalhando nos extremos.
Temos um desgoverno?
As pessoas precisam da reforma da Previdência e, também, que
o governo volte a funcionar. Nós temos uma ilha de governo com o Paulo Guedes.
Tirando ali, você tem pouca coisa. Ou pouca coisa pública. Nós sabemos onde
estão os problemas. Um governo de direita deveria estar fazendo não apenas o
enfrentamento nas redes sociais sobre se o comunismo acabou ou não, mas deveria
dizer: "No lugar do Minha Casa, Minha Vida, para habitação popular nós
estamos pensando isso; para saneamento, nós estamos pensando aquilo".
O presidente minimizou a crise dizendo que vai conversar com
o sr. e que tudo é como uma briga no namoro. O que achou?
Se o presidente não falar comigo até o fim do mandato, não
tem problema. Não preciso falar com ele. O problema é que ele precisa
conseguir várias namoradas no Congresso, são os outros 307 votos que ele
precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila.
E por que o sr. entrou em um embate com o ministro da
Justiça, Sérgio Moro, por causa do pacote anticrime?
Certamente, conheço a Câmara muito melhor do que o ministro
Moro. E sei como eu posso ajudar o projeto sem atrapalhar a Previdência. O que
me incomodou? O ministro passou da fronteira. Até acho que em uma palavra ou
outra me excedi, mas, na média, coloquei a posição da Câmara. O governo quer
fazer a nova política. Nós queremos participar da nova política.
Há quem diga que a Câmara não quer dar protagonismo a Moro
porque ele foi juiz da Lava Jato, algoz de políticos...
Ele foi um ótimo juiz, teve um papel fundamental. Foi um
juiz que se preparou para investigar corrupção e lavagem de dinheiro. E fez
isso muito bem. Agora, o protagonismo é dos deputados. Isso é óbvio. Nós é que
vamos votar.
A prisão do ex- presidente Michel Temer e do ex-ministro
Moreira Franco serviu para tumultuar ainda mais o ambiente político para a
votação da reforma?
Eu não acho. Agora, quando você tem um problema desse, ele (Bolsonaro)
vincula logo à política, ao desgaste do Parlamento. Isso é ruim. As
instituições precisam funcionar. Uns gostam da decisão, outros não. Mas ela
precisa ser respeitada e aquele que se sentir prejudicado por uma decisão da
Justiça tem o poder de recorrer.
Deputados e senadores do PSL, partido do presidente,
comemoraram a prisão e atacaram o MDB. Isso também pode ser um problema?
O PSL saiu do zero, foi ao topo muito rápido e acho que
ainda falta uma capacidade de articulação interna. Na hora de votar, eles vão
ver que precisam do voto do MDB. O problema do ex-presidente é do
ex-presidente. É óbvio que contamina o MDB de alguma forma, mas não vamos
transformar isso num problema de todos. Vamos deixá-lo responder porque ninguém
pode ser pré-condenado. Vamos ter paciência. Não se pode abrir mão de nenhum
partido para aprovar a reforma da Previdência. Uma reforma, para ser
aprovada, precisa ter uma margem de 350 votos.
E ainda há muita resistência em relação à proposta enviada
para os militares...
Os militares têm razão quando falam que foram muitos
prejudicados desde os anos 2000. O momento não é simples. Na hora que acalmar
essa semana política vai se começar um debate do que é o projeto de lei dos
militares. Acho que vai ter mais conflito que a emenda constitucional, mas a
gente vai precisar enfrentar porque eles garantem a soberania nacional. Vai ter
resistência, mas não podemos jogar no mar a proposta.
Por que o DEM, com três ministérios no governo, até hoje não
entrou formalmente na base aliada?
É porque, para o DEM, como para todos os partidos, mais do
que essa política que o presidente acha que é prioridade, que são as nomeações,
a prioridade é conhecer qual é o projeto do governo. E aí você vai projetar
2022 ou 2032, dizendo "esse projeto para o Brasil vai dar certo, vai
reduzir a extrema pobreza de 15 milhões para 5 milhões, o desemprego vai cair
de 12 milhões para 5 milhões, a economia vai crescer 5% nos próximos
anos". Tirando algumas ilhas, como o Paulo Guedes, a Tereza Cristina
(ministra da Agricultura, filiada ao DEM), está faltando, de fato, a gente
compreender qual é a política.
O deputado Eduardo Bolsonaro disse que em algum momento será
necessário o uso da força para tirar o presidente da Venezuela, Nicolás
Maduro, do poder. O sr. concorda?
Respeito o deputado Eduardo Bolsonaro, que é presidente da
Comissão de Relações Exteriores, mas acho que a interferência de outros países
na Venezuela não é o melhor caminho e que essa não é a posição dos ministros
militares do governo. Nós estamos com a estrutura das Forças Armadas
desabastecida. Vamos dizer que alguns concordem com isso. O Brasil não tem nem
condições de segurar 24 horas de confronto com a Venezuela.
O sr. acha que Bolsonaro deve enquadrar os filhos?
Tenho dificuldade de falar como o presidente deve tratar os
filhos dele. Eu sei como tratar os meus.