CAPITÃO FAZ POR PRESSÃO O QUE NÃO FEZ POR OPÇÃO
Com a Polícia Federal e as Forças Armadas à disposição, Jair
Bolsonaro assistiu à proliferação das queimadas como se não tivesse nada a ver
com as chamas. Conversou com a imprensa na frente do Alvorada um par de vezes.
Postou-se diante dos "urubus", como se refere aos repórteres, de mãos
abanando. Inconformado com os fatos, a fumaça e os indicadores que estilhaçam a
imagem ambiental do país, o capitão buscou uma saída. Com seu linguajar
caótico, apontou as ONGs como culpadas e os governadores como cúmplices. Não
exibiu provas aos urubus céticos.
Em matéria de meio ambiente, Bolsonaro esbarra no óbvio,
tropeça no óbvio. E passa adiante, sem suspeitar que o óbvio é o óbvio. Com
isso, compromete duas das principais atribuições de um presidente: enxergar o
buraco e dimensionar o seu tamanho. São tarefas indelegáveis. Mesmo que
desejasse terceirizar suas obrigações, o capitão não encontraria mão-de-obra.
Não há assessores ao seu redor, apenas áulicos e súditos. Submetidos ao cheiro
de queimado, o chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni e o chanceler Ernesto Araújo
limitaram-se a mimetizar o chefe.
O discurso do desmatamento é arma de europeus esquerdistas
para impor barreiras a produtos brasileiros, insinuou Onyx. Inimigos do Brasil
usam falsidades ambientais para nos atacar, ecoou Araújo. O fogo continuou se alastrando. Ganhou as manchetes dos
principais órgãos de comunicação do planeta. Chegou às redes sociais de
celebridades como Leonardo DiCaprio e Gisele Bündchen. Escalou o Twitter do
presidente francês Emmanoel Macron, que utilizou a imagem de um incêndio antigo para sensibilizar os
colegas do G-7.
Autoconvertido em alvo de manifestações dentro e fora do
Brasil, Bolsonaro convocou reunião ministerial de emergência. Mandou publicar
no Diário Oficial despacho ordenando aos ministros que tomem providências
visando a "preservação e a defesa da Floresta Amazônica, patrimônio
nacional". Nesta sexta-feira, o capitão reunirá os ministros em seu
gabinete. Aparentemente, caiu-lhe a ficha. Pecebeu que já não governava os
fatos, era governado por eles. Agora, faz sob pressão o que deixou de fazer por
obrigação.
Embora Bolsonaro comece a enxergar o óbvio, é improvável que
abandone o estilo caótico. O presidente tem uma relação de amor com o caos. E é
plenamente correspondido. Tornou-se prisioneiro de sua filosofia do sítio.
Acredita que todos estão contra ele —dos urubus da imprensa a um hipotético
globalismo tóxico dos líderes europeus. Esse tipo de turvamento mental pode
impedir o presidente de exercer outras duas atribuições elementares: reconhecer
que toda crise tem um custo. E calcular os prejuízos. A fatura inclui sanções
comerciais ao agronegócio brasileiro. E empurra para cima do telhado o acordo
Mecosul-União Europeia.
Se Bolsonaro fosse um presidente lógico, perguntaria a si
mesmo: Que rumo vou seguir depois que a emergência ambiental for serenada? O
mais provável é que a encrenca continue em estágio crítico, influenciando os
rumos do governo. Para conseguir mudar de assunto, Bolsonaro teria de virar do
avesso sua agenda ambiental. Mais: precisaria levar à face a imagem da serenidade.
No momento, o capitão é a cara da crise. Aprendeu a fazer confusões. Mas ainda
não revelou nenhum talento para desfazê-las.