EM NOME DO PAI
Para o senso comum, o político brasileiro é aquele sujeito que vive de iludir o pobre do eleitor. Mas alguns exageram na dose. É o caso do deputado federal licenciado e atual ministro das Comunicações Fábio Faria (PSD), filho do ex-governador Robinson Faria.
Fábio concedeu uma entrevista de pouco mais de 40 minutos ao jornal Tribuna do Norte neste domingo (18). E mentiu descaradamente sobre o governo do pai.
À certa altura, o ministro é questionado sobre o fato do governo Robinson ser citado sempre que as finanças do Estado são motivo de críticas. De cada 10 potiguares, pelo menos 9 vão entender o motivo da pergunta: o pai de Fábio deixou o governo sem pagar quatro meses de salário para boa parte dos servidores estaduais.
Nunca na história deste Rio Grande do Norte um governador deu um calote tão alto no funcionalismo, algo perto de R$ 1 bilhão, segundo a equipe econômica da gestão atual. Isso sem falar na dívida de R$ 1,3 bilhão com fornecedores, no caos da segurança pública e na irresponsabilidade de não ter cumprido o mínimo constitucional para a saúde, recursos que fazem falta hoje em plena pandemia.
A resposta do ministro, sem pé nem cabeça, começa por tentar responsabilizar o Partido dos Trabalhadores pela dívida, lembrando que Robinson foi eleito numa coligação com o PT, PCdoB e PP, além do próprio PSD.
O melhor da resposta, porém, vem na sequência:
Não participei do governo. Apenas no ano de 2018 fiquei mais presente ajudando na montagem da chapa, mas eu me indignei em vários momentos, porque nós víamos o PT fazendo isso, brigando por aumento para várias categorias”, disse.
Até o puxa-saco mais leal ao pai e ao filho deve ter engasgado na hora em que leu este trecho da entrevista. Fábio Faria não só participou do governo do pai, como foi fundamental para o rompimento do PT com o governo de Robinson. O caso é de conhecimento público.
Em 2016, quando Eduardo Cunha decidiu abrir o processo de impeachment contra a então presidenta da República Dilma Rousseff, Fábio se antecipou e declarou apoio ao impedimento da petista e, por consequência, abraçou o futuro presidente golpista Michel Temer.
A posição de Fábio levou o comando do PT no Rio Grande do Norte a pedir explicações a Robinson, que sequer atendeu aos telefonemas dos dirigentes na época. A reação do governador foi interpretada como se pai e filho estivessem atuando em conjunto. Minutos depois, o deputado estadual e líder do governo na época, Fernando Mineiro, foi ao twitter anunciar o rompimento oficial do PT com a administração Robinson Faria.
Durante todo o governo do pai, Fábio monitorou as contas, receitas e finanças da gestão, incluindo a contratação de empresas e mão de obra terceirizada, nicho que ele conhece bem. O filho do governador era chamado nos bastidores de primeiro-ministro e tratado de maneira jocosa por auxiliares que Robinson achava confiáveis.
Fábio não só participou de todo o governo do pai, como reclamava publicamente dos colegas de bancada que não apoiavam a gestão como ele. E ainda ameaçava blogueiros e jornalistas que recebiam dinheiro do governo e ensaiavam abandonar o barco.
Se não fosse ensaiada, a declaração de que não participou do governo Robinson seria de uma covardia surpreendente com o próprio pai, que ainda come o pão que ele mesmo amassou, efeito de uma má gestão que ainda hoje deixa cicatrizes na segurança e na vida dos servidores públicos do Estado.
Talvez para amenizar, Fábio aproveitou a entrevista para deixar subentendido que o pai vai disputar uma vaga na Câmara Federal enquanto ele, despista, sonha com o Senado.
A cabeça de Fábio, porém, voa mais longe. Nos escaninhos de Brasília, a luta dele é para convencer Bolsonaro, os filhos do presidente e a reaçada bolsonarista da internet de que seria um vice leal.
Nos últimos dias, vieram à tona memes com Fábio Faria ao lado de Lula, Dilma e Temer, três ex-presidentes com quem o ministro de Bolsonaro trocou afagos nos últimos 15 anos.
Depois desta entrevista à Tribuna do Norte, em que disse não ter participado do governo do próprio pai, Fábio Faria precisa tentar convencer os aliados de hoje a não tentarem antecipar questionamentos sobre um eventual governo que não seja o de Bolsonaro a partir de 2023. Até para não correr o risco de ouvirem algo do tipo quando lembrarem o ministro:
– Eu não participei do governo.