O GOLPE DO SEMIPRESIDENCIALISMO


Em uma clara tentativa de golpe na qual pretende ser alçado à condição de chefe do governo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), busca apoio na base aliada, sobretudo entre os integrantes do Centrão — grupo fisiológico que domina o Congresso — para tentar aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que promova a mudança do sistema de governança política. A ideia é implementar o semipresidencialismo no País, modelo que cria a figura de um primeiro-ministro e fortalece ainda mais o Legislativo, ambiente que Lira já domina como ninguém, com o comando da chave do cofre do governo. Se aprovada, a proposta deixaria o presidente ainda mais fraco, com a função decorativa de representar o governo em ocasiões mais formais, como acontece em Portugal. Para amenizar o caráter casuístico da mudança, Lira tem dito que mesmo que seja aprovada agora a medida só valeria para as eleições de 2026, mas há os que veem uma movimentação para enfraquecer desde já o presidente que vier a ser eleito no ano que vem.

A discussão sobre esse tema já foi e voltou diversas vezes no Congresso, mas ganha maior peso ao ressurgir num momento em que o País passa por uma das mais sérias crises políticas da história recente em razão das constantes ameaças à democracia feitas por Bolsonaro e às pressões que Lira vem sofrendo para apreciar os 130 pedidos de impeachment contra o mandatário. Esquecida nas prateleiras da Casa, a proposta de autoria do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), encaminhada em 2020, foi escolhida a dedo pelo presidente da Câmara e foi apresentada na reunião do colégio de líderes realizada na terça-feira, 13. A maioria topou levar o debate adiante, menos os integrantes da oposição. A avaliação geral é de que a mudança vai favorecer o grupo comandado pelo Centrão, que dita o rumo das votações na Câmara, comanda a pauta, tem espaço VIP no governo Bolsonaro e também controla um orçamento paralelo de R$ 11 bilhões para satisfazer os interesses paroquiais dos parlamentares. “O orçamento paralelo com semipresidencialismo é o caminho que o Centrão quer pavimentar para mandar no Brasil”, afirmou o deputado Paulo Teixeira (SP).

“O presidente da Câmara quer formalizar o golpe para continuar mandando mesmo sem Bolsonaro. Eduardo Cunha tentou o mesmo” Glauber Braga, deputado (PSOL-RJ)

Muitos parlamentares atribuíram a atitude do presidente da Câmara a uma forma de prejudicar Lula. Afirmam que Lira resolveu ressuscitar o tema justamente quando a esquerda aparece com chances reais de retornar ao poder depois de seis anos. “Semipresidencialismo é golpe para tentar evitar que nós possamos ganhar as eleições. Não dá para brincar de reforma política, isso é coisa que tem que ser discutida com muita seriedade”, disparou Lula em uma rede social. Deputados de outros partidos de esquerda engrossaram os protestos puxados pelo PT. O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) defendeu até o impeachment de Lira. “O presidente da Câmara quer formalizar o golpe para continuar mandando mesmo sem Bolsonaro. Eduardo Cunha tentou o mesmo”, disse o deputado, em referência ao ex-presidente da Câmara, um dos pivôs do impeachment de Dilma.

Pessoas próximas ao presidente da Câmara contam que ele só passou a se dedicar à PEC que muda o sistema de governo para reagir às bravatas do capitão no sentido de uma possível ruptura institucional. Nos últimos dias, Bolsonaro chegou a dizer que não haveria eleições em 2022 caso não houvesse o voto impresso, ameaças que foram reafirmadas pelo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto. Ainda na semana passada, ao perceberem que o projeto do voto em papel seria rejeitado, aliados bolsonaristas fizeram uma manobra e conseguiram adiar a votação para o próximo dia 5, no retorno do recesso do Congresso. Mas é consenso que a medida será definitivamente sepultada. Líderes partidários afirmam que, ao iniciar as tratativas sobre a PEC do semipresidencialismo, Lira passa alguns recados a Bolsonaro: que não aceitará arroubos autoritários e que ele mesmo pode ser o homem mais poderoso do Brasil, caso consiga aprovar a iniciativa.