ACREDITE: OS DELATORES DA LAVA JATO QUEREM DE VOLTA O DINHEIRO DA CORRUPÇÃO


Nos EUA, um dos países que podem ser tomados como modelo na aplicação do instituto jurídico da
delação premiada, as autoridades buscam exaustivamente saber, antes de sacramentá-la, se o delator está de fato arrependido de seus atos delituosos – ou seja: se não optou por citar os comparsas somente para se livrar da cadeia. Tanto é assim que a colaboração ocorre, preferencialmente, com a pessoa em liberdade, uma vez que o encarceramento é considerado fator de pressão. Esse mesmo método foi seguido, com uma ou outra mudança, na Itália, na Operação Mãos Limpas liderada pelo juiz Giovanni Falcone. No Brasil, a Operação Lava Jato, a maior e mais bem sucedida providência nas esferas judicial e policial contra a corrupção envolvendo altos escalões do governo federal, empreiteiros e empresários, privilegiou os frutos da delação em si e não o sentimento do indivíduo em querer ajudar as autoridades pelo reconhecimento de que errou. Sem metanoia. Isso em nada apequena a Lava Jato, trata- se somente de uma metodologia diversa.


ADEUS DÓLARES Alberto Youssef: mola propulsora que levou a PF ao topo do poder no escândalo da Petrobras.
Já fez na vida duas delações premiadas. Da última, pretende ser ressarcido (Crédito: Alan Marques)

O arrependimento, portanto, não entrou em jogo. Prova disso é que no rastro da anulação de diversos processos da Lava Jato pelo STF, muitos daqueles que incriminaram seus parceiros estariam querendo agora o reembolso do dinheiro – julgado em primeira instância como fruto de corrupção – que tiveram de devolver à União em troca da liberdade. É surreal, mas é fato. É um absurdo que isso esteja ocorrendo e, absurdo maior ainda, é se tal pleito for atendido pela Justiça. No rol daqueles que gostariam de obter em parcelas o que se pode chamar, ironicamente, de “auxílio Lava Jato”, estariam, por exemplo, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, o ex-presidente da UTC Ricardo Pessoa, o ex-deputado Pedro Corrêa e o ex-doleiro Alberto Youssef – presidiário que operou feito mola propulsora da PF para que ela chegasse ao topo do poder no escândalo da gatunagem na Petrobras.

Se eles e tantos outros concordaram com o pagamento de multas e devolução de altas quantias porque a Lava Jato se convenceu de que os recursos eram advindos de corrupção, ressarcir-lhes é debochar do brasileiro trabalhador. Para diversos especialistas existem pelo menos duas queixas comuns que reúnem os colaboradores e os motivam a ingressarem com ações requerendo o cancelamento de processos, como já dito, por lavagem de dinheiro, malversação e corrupção – eles cogitam bater à porta do Poder Judiciário inspirados nas decisões da Segunda Turma do STF, que anulou as sentenças dadas pela Lava Jato ao ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva, que esteve preso.

OUSADIA Gim Argello: tentará voltar ao Senado, uma vez que o STJ recuou os seus processos à fase zero (Crédito:Pedro Ladeira)
A carta de Caminha

A primeira queixa diz respeito às multas aplicadas pela Receita: são consideradas demasiadamente altas e, na opinião dos processados, se encontrariam desrespeitando os termos firmados no acordo judicial. Essa tese é difícil de ser aceita, uma vez que as regras da delação estão consignadas na Justiça. Em segundo lugar fala-se em frustração: os que apontaram cúmplices cumprem medidas restritivas de liberdade por meio de tornozeleiras eletrônicas e prisões domiciliares, enquanto os delatados seguem livres. Além do julgamento dos recursos que beneficiaram Lula, eles pegam carona em outra determinação do ministro Gilmar Mendes, anulando investigações referentes a alguns empresários sob a alegação de “quebra de imparcialidade” com base em mensagens hackeadas de procuradores da Lava Jato — na verdade, essas mensagens não comprometem em nada a lisura da Operação.

Da lista de insatisfeitos consta ainda o lobista Júlio Camargo, que teve de recolocar nos cofres públicos cerca de R$ 40 milhões. Estima-se que mais de R$ 50 bilhões estejam retornando à União, a conta-gotas, ação por ação. Os “pentiti” da corrupção, dispostos a tudo no momento da delação para se livrarem das grades, são, na verdade, “pentiti” do ervanário que foram obrigados a devolver. Em outra trilha, que não aquela de recuperar dinheiro surrupiado, há condenados e ex-condenados em busca de votos para si ou correligionários. É o caso do ex-ministro José Dirceu: teve a pena de vinte e sete anos de prisão confirmada pelo STJ, mas como possui o direito de recorrer em liberdade está atuando nos bastidores da campanha do pré-candidato Lula, postulante à Presidência da República. E quem não se lembra do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e do ex-senador Gim Argello?

São apenas dois nomes, mas a lista inclui outros, entre eles os ex-parlamentares Henrique Eduardo Alves e Luiz Argôlo. Todos tentam se candidatar. Cunha ainda está inelegível porque teve o mandato cassado por seus pares sob a acusação de quebra de decoro, mas tenta reverter a situação. Já Argello, preso entre 2016 e 2019, não tem obstáculos: concorrerá ao Senado, pois seus processos voltaram ao ponto de partida por decisão do STJ. A sensação que fica no mais anônimo dos brasileiros é que, entre delações e condenações, o crime segue a compensar nessa “terra em que se plantando tudo dá, pelas boas águas que tem”. A coisa vem de longe. E já que se citou trecho da primeira carta saída do Brasil, escrita por Pero Vaz Caminha, vale dizer que ela foi enviada para a Corte com dinheiro do erário português. Tudo certo. Mas ele escreveu muitas missivas particulares com os mesmos recursos públicos. Tudo errado. A coisa vem mesmo de longe.