DISCURSO DE POSSE DE ALZIRA SORIANO, 1ª MULHER PREFEITA DA AMÉRICA LATINA, 1929


Discurso de posse de Alzira Soriano, Primeira Mulher Prefeita da América Latina.

“Determinaram os acontecimentos sociais do nosso querido Rio Grande do Norte na sua constante evolução da democracia, que a mulher, esta doce colaboradora do lar, se voltasse também para colaborar com outra feição na sua obra político-administrativa. De outro modo, portanto, não poderia se ser. 

As conquistas atuais, a evolução que ora se opera, abrem uma clareira no convencionalismo, fazendo ressurgir a nova faceta dos sagrados direitos da mulher. Inovação estética não pode ser, o que se observa é a consciência elegante de uma conquista. Um espírito brilhante fazendo da política verdadeira obra de educador, fundiu na retemperada abnegação de suas virtudes cívicas, a realidade do movimento em torno da emancipação política da mulher. Este educador político é o eminente Senador José Augusto. 

Sucedeu-o no governo, este outro espírito, cuja energia fetichista e inteligência admirável está fazendo no Rio Grande do Norte uma verdadeira escola de democracia fundindo-o numa grande oficina de trabalho. É justamente o presidente Juvenal Lamartine quem encarna na hora histórica que atravessamos, o verdadeiro condutor de homens, na convicção de assim o fazendo, integralizar o Rio Grande do Norte nas suas mais justas aspirações de processo e de liberdade. Assim, neste ambiente de liberdade e trabalho, de patriotismo e de tolerância tornou-se em realidade o nosso sonho de igualdade política. 

A prova eloqüente de reconstrução político-social, caracteriza-se pela minha eleição ao posto de prefeita deste município. Tomando posse do cargo, em que a vossa bondade tão generosa e confiadamente me investiu, não ouso fazer promessa que a minha incapacidade e talvez a insuficiência dos estímulos necessários me poderiam privar de cumprir. 

Nem o momento é daqueles em que essa ousadia fosse fácil porque, assim como o nosso pequeno, mas laborioso e próspero Estado, volta hoje as suas vistas curiosas para o município de Lajes, como campeão duma iniciativa audaciosa, vejo que as vossas convergem para a obscura individualidade duma patrícia, cujo mérito é o de não recuar quando a mandam para frente. 

Não desejo portanto formular programa, embora seja uso fazê-lo em ocasiões como esta. Sei que vamos tentar uma experiência difícil – difícil, porque a função é espinhosa, difícil porque essa experiência é a primeira a realizar-se no nosso país, difícil sobretudo porque a incumbia de sua execução, reconhece e publicamente confessa o temor de lhe faltarem força bastante para levá-la a um termo brilhante. Não é a mim que compete recordar o movimento liberal que resultou em Lajes a escolha duma prefeita para o cargo triênio que hoje começa, nem tão pouco julgo necessário para um maio adiantado, como felizmente já é o nosso, lembrar exemplo de energia, de vontade, de capacidade, de trabalho da mulher, bastantes para justificar a escolha que fizestes. 

É porque, sem prejuízo da natural modéstia, posso assegurar-vos ao menos o esforço veemente para não desmerecer, quero apenas, seguindo um grande exemplo da história política nacional, registrar o que não farei no exercício do mandato, de preferência a alinhar projetos, que talvez não pudesse realizar. Não me prevalecerei do cargo para fazer favores a amigos e ainda menos para negar justiça a adversários. 

Não abusarei dele para obter provento seja qual for a natureza destes. O infortúnio do meu estado civil ensinou-me a trabalhar e a viver modestamente com honra, e não trocarei jamais a clama da consciência e altivez da mediania por vantagens mais ou menos suspeitas que pudesse auferir da função pública. Destas negativas podereis deduzir uma afirmativa única e esta faço desassobradamente: a de unir todas as minhas forças para não desmerecer de excepcional prova de confiança dos que me elegeram Prefeita de um município próspero e de tão largo futuro, como a nossa querida Lajes. 

Suponhamos que este município é uma grande família unida e solidária. A família tem um jardim, sala, gabinete de trabalho, mesa,despensa e tudo se deve equilibrar sobre a pauta rigorosa dos ganhos e das despesas: o município tem as suas ruas com a sua arborização e iluminação, as escolas que são os gabinetes, onde se prepara o seu futuro, a viação, o amparo à lavoura e ao comércio, que lhe fornecerão rendas – e tudo se regra pelas possibilidades nas despesas.

Pois sejamos uma família; demos não só ao Estado, como à grande Pátria, o exemplo dessa união fraterna, só por si capaz de nos garantir bem estar e prosperidade. E, unidos trabalhemos. Aqui estarei para isso e pela minha parte peço a Deus que me guie e aos meus patrícios que me ajudam.”

Alzira Soriano
Lajes-RN, 01 de janeiro de 1929.

Jornal A República - 04.01.1929.