DEMISSÃO DE EDUARDO FAUSTINI DA GLOBO É DERROTA DO JORNALISMO INVESTIGATIVO


Duas figuras lendárias do jornalismo brasileiro foram desligadas da Globo esta semana. O clima é de choque e tristeza na emissora. Com razão. José Hamilton Ribeiro e Eduardo Faustini representam muito para quem aprecia e respeita o bom jornalismo.

Ribeiro, hoje com 86 anos, é um dos profissionais mais queridos e admirados do meio: 5 prêmios Esso, mais de uma dezena de livros, repórter da mitológica revista "Realidade", ferido durante uma reportagem na guerra do Vietnã, em 1968, também atuou em "Quatro Rodas", "Folha" e TV Globo, onde estava havia 40 anos ("Globo Repórter", "Fantástico" e "Globo Rural").

Faustini, idade e rosto desconhecido, construiu uma reputação como um dos maiores nomes do jornalismo investigativo no Brasil. Especializou-se no uso de microcâmera escondida para a realização de reportagens, uma técnica polêmica, questionada, mas muito eficaz para revelar variados tipos de crimes. "Antes de tudo, acho bom dizer que, a meu ver, todo bom jornalismo deve ser investigativo. O que faço é, digamos, jornalismo com câmera escondida", afirmou numa entrevista à revista Trip, em 2011.

Atuando na televisão desde o final da década de 1980, inicialmente no "Documento Especial", na Manchete, e posteriormente no "Fantástico", na Globo, onde estava desde 1995, Faustini estendeu os limites do chamado jornalismo investigativo. "Acredito que a relevância de um fato é sempre mais importante que a infração que estou cometendo. Já tomei diversos processos, mas nenhum me acusando de criminoso. O interesse público é o meu foco. Pra mim, ele é mais importante que qualquer lei ou regra de etiqueta", disse nesta mesma entrevista, a Millos Kaiser.

A lista dos feitos de Faustini é enorme: em uma célebre reportagem se passou por secretário interino na Prefeitura de São Gonçalo (RJ) para escancarar a corrupção no município. Suas matérias ajudaram nas prisões do chamado Comendador Arcanjo, chefão do crime organizado em Mato Grosso, e de Hildebrando Pascoal, o "deputado da Motoserra".

O resumo de seu perfil no Portal dos Jornalistas é de tirar o fôlego: já fingiu ser idoso para flagrar e denunciar os maus-tratos em asilos no Brasil; passou-se por caminhoneiro para mostrar os esquemas de propina em rodovias; flagrou a insegurança no sistema aéreo brasileiro, embarcando com uma réplica de um fuzil e um pacote de açúcar simulando cocaína; mostrou o esquema das funerárias que vendiam atestados de óbitos que serviam até para encobrir assassinatos; expôs a fraude em bombas de gasolina dos postos de combustíveis com o uso de controle remoto; e participou de uma operação dentro do caveirão da Polícia do Rio de Janeiro em uma comunidade dominada por traficantes.

Na série de reportagens "A cara da corrupção" revelou o que acontece em um gabinete onde são fechados contratos com dinheiro público. Durante os dois meses, Faustini se fez passar por gestor de compras em um hospital público federal. Desde 2014, fazia reportagens para a popular série "Cadê o Dinheiro que Estava Aqui?"

Nesses anos todos, a Globo ofereceu a Faustini o que ele precisava para fazer bom jornalismo: tempo e recursos. Também assegurou segurança ao profissional (não mostrando seu rosto e evitando divulgar dados pessoais sobre ele). É uma pena a sua saída. Perdem a emissora e o público. É uma derrota do bom jornalismo investigativo.