NO RN, 250 MIL NÃO TÊM ACESSO A TRANSPORTE REGULAR


Um levantamento da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste (Fetronor) revelou que mais de 250 mil potiguares são prejudicados pela falta de um sistema regular de transporte, situação que atinge 38 municípios do Rio Grande do Norte (RN). A ausência de transporte público afeta diretamente o acesso da população a serviços como saúde, educação e trabalho. O cenário expõe uma realidade preocupante de exclusão social.


Entre os municípios sem sistema regular de transporte estão: Luís Gomes, Caraúbas, Tenente Ananias, São Rafael, Santana do Matos, Baraúna, Serra do Mel, Grossos e Timbaúba dos Batistas. O presidente da Fetronor, Eudo Laranjeiras, aponta a concorrência desleal com veículos irregulares, que não pagam taxas e impostos, como a principal causa para a extinção das linhas de transporte intermunicipais em algumas regiões.

“Não dá para concorrer. Nós temos impostos, fiscalização trabalhista, tudo em cima da gente. Eles não têm nada”, diz o presidente da Fetronor.

Segundo o presidente, a lei estadual n° 10.506, que trata sobre o Serviço de Transporte Público Alternativo Intermunicipal, estabelece o pagamento de R$75,00 por viagem.

De acordo com ele, a falta de pagamento dessa taxa resulta em um prejuízo para o estado que chega em torno de R$4 milhões por mês. “Nós fazemos uma conta, por baixo: com 2 mil veículos, uma viagem por dia, durante 26 dias no mês”, explica. “O RN deixa de arrecadar cerca de 3 a 4 milhões por mês”, conta Laranjeiras, sobre a falta de cobranças das taxas e impostos dos veículos não regulamentados.

Laranjeiras explica, ainda, que os veículos clandestinos se concentram em transportar apenas passageiros que pagam a tarifa inteira, enquanto as empresas de ônibus carregam a gratuidade, idosos e pessoas com deficiência (PCDs), e meia passagem de estudantes.

“Por exemplo, a gente vem de Mossoró para Natal carregando até 20 gratuidades, é um absurdo”, conta o presidente da Fetronor. “É por isso que as empresas entregam as linhas”, afirma.

Segundo ele, a situação de inviabilidade financeira corroborou com a saída de diversas empresas de transporte do Estado. “Nas últimas duas décadas, oito empresas já encerraram as atividades e a situação financeira daquelas que permanecem é muito difícil, é insustentável”, diz.

Para o presidente da Fetronor, o Estado poderia subsidiar as gratuidades e ser mais firme na fiscalização dos transportes clandestinos: “Se o Estado não for para cima, não muda. Eles poderiam pagar os PCDs ou parte dos idosos, mas o Estado não paga”, finaliza.

O especialista em mobilidade e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Rubens Ramos, também reforça a necessidade de algum subsídio.

“Está provado que o transporte coletivo dificilmente se mantém apenas com as tarifas de usuários, até porque existe a obrigação legal de gratuidade de idosos, pessoas com deficiência, meia passagem de estudante. E essas gratuidades estão aumentando”, afirma o professor.

Clandestino

O Departamento de Estradas de Rodagem (DER), responsável pelo transporte intermunicipal, reconhece a situação da falta de sistema regular de transporte em diversos municípios.

O órgão afirma realizar fiscalização contínua e reconhece o risco do transporte clandestino. “O órgão tem realizado ações de fiscalização de forma contínua em todo território potiguar. O transporte clandestino, em sua maioria, é efetuado por veículos de pequeno porte, devido à maior facilidade de operação. O risco está justamente no fato de que esses veículos não são credenciados ao DER e, consequentemente, não passam por processos de vistoria ou fiscalização”, respondeu.

O DER também informou que está em andamento um processo de estudos conduzido por uma empresa de consultoria, que irá abranger todos os municípios que necessitam do serviço, avaliando a situação atual, a inclusão de novas linhas e as melhorias necessárias.

Aumenta o risco de acidentes

O presidente da Fetronor, Eudo Laranjeiras, aponta que o cenário de escassez de transporte regular faz com que potiguares recorram também às motocicletas, seja por mototáxi ou aplicativo. Para ele, o cenário aumenta os riscos de acidentes nas estradas.

“Tem muito carro rodando e, consequentemente, o risco é maior. A mesma coisa com as motos. Os hospitais já estão superlotados de acidentes de moto e ninguém toma providência”, conta Laranjeiras.

O presidente da Fetronor critica a falta de fiscalização no interior: “A fiscalização pode até controlar pela capital, mas pelo interior não fazem quase nada”, diz. “Muitas vezes, motoristas são pegos sem carteira de habilitação e sem documento da moto”, completa.

Laranjeiras defende a necessidade de uma “política real de transporte, dando suporte e facilitando os ônibus a rodarem”, finaliza.

Segundo o especialista em mobilidade, Rubens Ramos: “alternativas como moto táxi (em municípios que o legalizaram) e o transporte por aplicativo surgem como formas de atender parte da demanda onde o transporte coletivo regular falha”, explica o especialista.

Ramos esclarece, no caso das motos por aplicativo: “O transporte por aplicativo não é clandestino e possui amparo legal nacional, ampliando a oferta. Contudo, ele não elimina a demanda pelo transporte coletivo, pois não oferece gratuidade para idosos, PCDs ou meia tarifa para estudantes”.

Sobre a insegurança, Ramos confirma o aumento significativo de acidentes com o transporte por moto. “Sem dúvida tem havido aumento significativo de acidentes com o transporte por moto, mas esse é um assunto de gestão de segurança do trânsito, que também é da competência municipal”, explica. “Há que ser mais rígido em fazer cumprir as normas de trânsito para reduzir acidentes”, conclui.

Segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Norte (Detran), em 2024 motocicletas, motonetas e ciclomotores somavam 665.237 veículos, correspondendo a 41,3% da frota total do estado (um aumento em relação aos 40,9% registrados em 2023). Essa proporção elevada de veículos impacta nos números sobre sinistros no estado. Em 2024, 75,20% do total de 3.462 sinistros com vítimas no RN envolveram veículos de duas rodas, totalizando 2.605 ocorrências.

População vive exclusão social

Para o sociólogo César Sanson, a ausência de um sistema regular de transporte reflete um quadro de exclusão social e precarização da cidadania.
“A ausência de um sistema regular e eficiente de transporte coletivo é um dos fatores que contribuem para o sentimento de humilhação e de raiva entre as pessoas afetadas por essa carência”, explica.
Segundo o sociólogo, a irregularidade compromete a vida social, o acesso a escolas, ao comércio, hospitais e até ao emprego. É o caso Awilliane Bilro, 40 anos, que é técnica em enfermagem, mora em Santana do Matos e trabalha em Assu.
“O deslocamento para outros municípios vizinhos é precário, só temos os chamados carros de lotação, infelizmente tem dias que não temos disponível porque o carro quebrou ou o condutor não vai viajar”, compartilha. “Quando vou marcar a viagem, sempre pergunto ‘você viaja amanhã?’, porque às vezes a pessoa não vai”, diz Awilliane, sobre a incerteza das viagens em transportes irregulares.
A situação levou a Prefeitura de Santana do Matos a disponibilizar transporte para os estudantes do IFRN, Campus Lajes, e para os universitários da UFERSA, em Angicos, e da UERN, em Assu.
“Dependendo da demanda, sai um ou dois ônibus todos os dias. Os estudantes não pagam nada, é uma conquista da nossa gestão”, conta o prefeito, Claylton Ângelo Pinheiro. Segundo ele, são cerca de 120 estudantes que saem de Santana para os municípios próximos.
Um deles é Carlos Henrique, 21 anos. Ele cursa Sistemas de Informação na UFERSA. Ele viaja todos os dias de Santana para Angicos. “É demorado e desconfortável, mas temos que agradecer porque é o que tem”, relata. O estudante compartilha que, se não fosse o transporte da prefeitura, provavelmente ele não estaria na universidade, pois não tem condições de arcar com os carros de lotação.

Confira os municípios sem sistema regular de transporte
 
Luís Gomes
Venha-Ver
Pilões
Tenente Ananias
Severiano Melo
Governador Dix-Sept Rosado
Upanema
Porto do Mangue
Água Nova
Bodó
São Rafael
Santana do Matos
Baraúna
Tibau
Serra do Mel
Grossos
São João do Sabugi
Felipe Guerra
José da Penha
Equador
Japi
Serrinha dos Pintos
Rodolfo Fernandes
Coronel João Pessoa
Paraná
São Fernando
Francisco Dantas
Jardim de Angicos
Timbaúba dos Batistas
João Dias
Viçosa
Ipueira
Taboleiro Grande
Pedra Preta
Major Sales
Riacho de Santana, Portalegre
Doutor Severiano
Caraúbas.