CARLOS BOLSONARO EMPREGOU IDOSA QUE NEGA TER TRABALHADO PARA VEREADOR
Pouco mais de 50 km separam a Câmara Municipal do Rio de
Janeiro da pacata cidade de Magé, na região metropolitana da capital
fluminense. Lá mora Nadir Barbosa Goes, 70, que até janeiro figurava na lista
de assessores do vereador Carlos Bolsonaro (PSC),
filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Nadir recebia, como oficial de gabinete, uma remuneração de
R$ 4.271 mensais.
A Folha procurou a ex-funcionária, que não quis
responder quais atividades desempenhava. Somente afirmou que nunca trabalhou
para o filho do presidente. Ao final da ligação, disse: "Fala com o
vereador que eu não sei de nada".
No início do ano, assim que o pai assumiu o Palácio do
Planalto, Carlos fez uma limpeza em seu gabinete na Câmara. De janeiro a
fevereiro, exonerou nove funcionários.
Nadir está entre eles. Ela é irmã do militar Edir Barbosa
Goes, 71, assessor atual de Carlos Bolsonaro. A esposa dele, Neula de Carvalho
Goes, 66, também foi exonerada pelo vereador logo após a posse do pai de Carlos
na Presidência da República.
A carga horária prevista para assessores comissionados da
Câmara Municipal do Rio é de seis horas diárias, que não precisam ser cumpridas
no espaço físico da Casa. Esses funcionários não batem ponto e têm a frequência
assinada pelo próprio vereador.
As contas de luz de Nadir indicam que ela morava na cidade
ao mesmo tempo em que esteve lotada no gabinete de Carlos na Câmara do Rio. Em
Magé, uma sobrinha afirmou que Nadir mora há cerca de dez anos no local e que
não costuma ir à capital.
À reportagem o chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro, Jorge
Luiz Fernandes, negou que Nadir recebesse salário sem prestar serviços. Ele
disse que Nadir, Neula e outras duas funcionárias exoneradas por Carlos
trabalhavam em um núcleo chefiado por Edir, o militar irmão de Nadir.
Segundo o chefe de gabinete, esses funcionários entregavam
mala direta para a base eleitoral do vereador em Campo Grande, na zona oeste do
Rio, e anotavam as reivindicações dos eleitores, principalmente de militares.
Para trabalhar diariamente na entrega de correspondências, Nadir teria de
percorrer uma distância diária de mais de 130 km entre Campo Grande, no Rio, e
Magé, onde vive.
"Você imagina entregar 200 mil correspondências. A
gente agora tem usado mais as redes sociais", afirmou o chefe de gabinete.
Também militar, ele disse que foi responsável por indicar Edir ao gabinete.
"Todos aqui trabalham o dia todo. Nós aqui trabalhamos de segunda à sexta,
de 9h até a hora de acabar o expediente do vereador. Todo mundo."
A reportagem foi até a residência
de Edir e Neula, no extremo oeste do Rio. Lá,
encontrou Edir, atual assessor de Carlos, usando short e camisa da seleção
do Brasil por volta das 13h de uma segunda-feira. Irritado, o funcionário da
Câmara se negou a responder às perguntas e disse que caberia ao gabinete
prestar esclarecimentos.
"Eu não sou obrigado a trabalhar todos os dias lá. Não
tem espaço físico", afirmou. A reportagem quis saber qual função o militar
desempenha. "Não importa", respondeu.
Edir também afirmou que a intenção da Folha, ali,
seria a mesma de reportagem que revelou que Walderice Conceição,
vendedora de açaí em Mambucaba, na costa verde do Rio, era assessora
fantasma do então deputado federal Jair Bolsonaro.
Como assessor, Edir recebe salário de R$ 7.386.
Até ser exonerada, no início do ano, a mulher dele recebia R$ 3.461. Ambos
moram em casa de classe média baixa no afastado bairro de Santa Cruz.
Desde o ano passado, suspeitas de irregularidades na
contratação de assessores recaem sobre Bolsonaro e seus filhos políticos. Em
dezembro, a Folha revelou que, quando deputado federal, o presidente
empregou em seu gabinete a personal
trainer Nathalia Queiroz, que atuava em academias do Rio de Janeiro.
Ela é filha de Fabrício Queiroz, policial militar aposentado
e ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Estado do Rio.
Flávio agora é senador, e Queiroz passou a ser investigado pelo Ministério
Público depois que o governo federal identificou movimentações
financeiras atípicas em sua conta.
Alvo de investigações cível e criminal, o ex-assessor de
Flávio disse por meio de sua defesa que recolhia parte do salário dos
funcionários do gabinete para distribuir a outras pessoas que também
trabalhavam para o então deputado estadual. Segundo ele, Flávio não tinha
conhecimento da prática.
A versão de Queiroz sobre a contratação de assessores
informais para Flávio teve como objetivo explicar a movimentação atípica de R$
1,2 milhão em sua conta bancária entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.
Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma da
operação, com seguidos depósitos em dinheiro em espécie de altos valores e
saques subsequentes. A entrada do dinheiro ocorria logo após as datas de
pagamentos dos servidores da Assembleia, o que levantou a suspeita da prática
da "rachadinha" —devolução de parte do salário do funcionário.
O Coaf, órgão do governo federal, também identificou
transferência de ao menos dez funcionários do gabinete de Flávio para Queiroz,
incluindo a filha e a mulher do PM aposentado. Todos foram intimados a depor no
fim do ano passado e são alvo das investigações cíveis e criminais --incluindo
mulher e a mãe do ex-PM Adriano da Nóbrega, foragido apontado como chefe da
milícia de Rio das Pedras.
Os dois procedimentos são sigilosos, motivo pelo qual o
Ministério Público não se pronuncia sobre seu andamento.
OUTRO LADO
O chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro, Jorge Luiz
Fernandes, disse que Edir é um militar da reserva e tem acesso às bases em
Campo Grande. "Se chegar nos quartéis, todo mundo conhece."
Jorge disse que há mais de 30 condomínios militares em Campo
Grande e que a entrega das correspondências era realizada, também, em outros
bairros da zona oeste, como Santa Cruz e Realengo.
Ele afirmou que comissionados não são obrigados a trabalhar
no espaço físico da Câmara e que podem prestar serviços externos. Disse que Carlos
emprega um funcionário que mora em Petrópolis, a cerca de 70 km do Rio, e que
vai à Câmara todos os dias.
Segundo o chefe de gabinete, parte dos assessores de Carlos
foi exonerada para dar lugar a funcionários que trabalhavam para Jair Bolsonaro
no Rio, durante seu mandato de deputado federal. "O presidente achava que
poderia montar um gabinete no Rio, mas não é bem assim. Não pode ter o cara que
entrega carta na rua trabalhando no gabinete da Presidência. É outro
nível."