JOSÉ MÚCIO MONTEIRO: ‘É PRECISO PENSAR MENOS NA PRÓXIMA ELEIÇÃO E MAIS NO PAÍS’


O ministro do Tribunal de Contas da União José Múcio Monteiro Filho defende que o país precisa de um entendimento entre suas lideranças políticas. Para ele, é preciso deixar de lado as disputas que sempre têm como objetivo as eleições seguintes para que se possa enfrentar os problemas mais graves e que são de interesse coletivo. “São muitas questões profundas que só se pode discutir havendo diálogo, entendimento e tirando essa perspectiva da próxima eleição que norteia de forma permanente a cabeça dos políticos brasileiros”, afirma José Múcio, nesta entrevista à TRIBUNA DO NORTE. 

 José Múcio passou o cargo de presidente do TCU recentemente para Ana Arraes e deve deixar o Tribunal no dia 31 de dezembro, quando inicia aposentadoria. O ministro do Tribunal de Contas da União tem uma ampla experiência na vida pública. Ele foi deputado federal por cinco mandatos e ministro das Relações Institucional (2007 a 2009). Com essa vivência, considera que o presidente Jair Bolsonaro deveria se aproximar mais do Congresso Nacional e evitar conflitos. “É preciso olhar menos para trás. 

Vencedores e vencidos estão sob a mesma responsabilidade. Deixar essas sombras do passado e a preocupação com as eleições. E pensar na gestão do país”, sugere ao presidente. Com relação ao TCU, afirma que se trata de um órgão de Estado que tem cumprido seu papel institucional. “O Tribunal é um órgão do Estado brasileiro. É uma agência reguladora do dinheiro público, a instituição que não permite que, de um governo para outro, mude o programa de uma obra, se deixe uma obra pela metade. Sem nenhum viés ideológico ou comprometimento partidário, zela pelo dinheiro público”, diz. 

O Tribunal de Contas da União tem cumprido seu papel institucional? 

O Tribunal sempre cumpriu e cada vez mais tem aprimorado seu trabalho e sua eficiência. O TCU sempre se divulgou pouco e a sociedade teve um entendimento [reduzido] do que representa o Tribunal de Contas. O TCU não é um órgão de governo. Não pertence a este governo, nem pertenceu ao anterior ou pertencerá aos futuros. O Tribunal é um órgão do Estado brasileiro. É uma agência reguladora do dinheiro público, uma instituição que não permite que, de um governo para outro, mude o programa de uma obra, que se deixe uma obra pela metade. Sem nenhum viés ideológico ou comprometimento partidário, zela pelo dinheiro público

Um momento de muita notoriedade foi quando julgou as contas do governo Dilma Rousseff... 

Todo ano a principal função do Tribunal de Contas é julgar as contas do governo. Foram muitos os presidentes que tiveram as contas julgadas. O Tribunal não mandou cassar Dilma. Houve irregularidades na prestação de contas. Coube ao Senado decidir. O Senado já ficou com oito, dez contas sem julgar. Houve ali um componente político [no Senado]. Faltou interlocução do governo com o Congresso Nacional. Não naquele momento, mas durante a gestão. Nenhum governante pode se incompatibilizar com o Congresso. É preciso ter o respeito mútuo, com entendimento. 

Mas fazia a pergunta no sentido de que se episódio levou os governantes a ter mais atenção no cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e as leis orçamentárias, uma vez que a irregularidade foi a justificativa legal para o impeachment?

 Aquilo foi emblemático. Mas já havia [julgamento de contas]. Evidentemente, o Tribunal ampliou sua gestão. A vantagem de punir quem errou é o estímulo ao bom gestor. Agora mesmo na pandemia, alguns deputados e senadores estavam querendo que o Tribunal trabalhasse diferente. Mas precisamos proteger o bom gestor, para que ele possa afirmar que vale a pena continuar zelando pelo recurso público. Então, não tenha dúvida de que aquilo foi emblemático para os governadores, os prefeitos, os presidentes verem que o Tribunal percebe todas as coisas e manda ao Congresso. Hoje a sociedade também tem um conhecimento disto que não tinha no passado. 

O gestor público, o governante, às vezes reclama que o órgão de controle ou de fiscalização do Tribunal de Contas impede o andamento da obra com um rigor excessivo na fiscalização. Realmente há esse obstáculo e paralisação de projetos por esse motivo? 

Fizemos um levantamento, no ano passado e, das 14 mil paralisadas, apenas 3%, um pouco menos, era por conta dos órgãos de controle. A Constituição de 88 deu muito poder a a muita gente. Ministério Público, Ibama, Iphan... Tem áreas quilombolas, reservas indígenas... Funai, Justiça em todas as suas instâncias... Muitos instituições com poder para parar obras públicas. Pedimos ao ministro Dias Toffoli, que era presidente do Supremo Tribunal Federal, para presidir um grupo de trabalho e mostrarmos ao Brasil onde estavam as travas. Muitas vezes um prefeito não queria continuar uma obra e afirmava que o motivo seria o TCU. Ou não gostava da obra e atribuía a paralisação ao Tribunal de Contas. Mas o TCU cumpre o seu papel. Trata-se de um órgão que a cada dia se fortalece e defende o cidadão, o imposto que você paga. Às vezes culpam o Tribunal. Mas se o preço está excessivo, não vai atrás para ver e baixar. O TCU zela pela sociedade.

O senhor foi deputado e ministro das Relações Institucionais.  vê o atual momento político e institucional do país? 

Não existe política sem diálogo. E a democracia tem três pilares: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Os Poderes são independentes, mas é necessário que se tenha uma comunicação [entre os representantes destas instituições]. Poderia se conversar mais. Não seria para tirar nem colocar poder. Mas para que cada um entenda os passos do outro, as responsabilidades e possa se orientar. Afinal de contas, não pode haver conflito entre esses Poderes. Principalmente, se esses conflitos se alastrarem. Então, esse governo precisaria ter uma interlocução maior com os demais Poderes. Isso facilitaria mais a gestão. 

Falta essa iniciativa ao Poder Executivo?

 Precisava conversar mais. Nos governos que observei havia uma interlocução maior, um colégio de líderes, posições bem definidas, com a responsabilidade de cada um. Dava-se mais satisfação. Havia mais discussão. Não tinha a história de perseguir culpado, ir atrás de quem errou. Eu sou da tese de que depois que alguém ganha a eleição, tem que torcer para o vencedor acertar. O prefeito que ganha a eleição vai administrar a cidade para vencedores e vencidos. O governador vai gerir o Estado para vencedores e vencidos. O presidente da República também não pode ficar atrás de quem votou contra, quem era isso ou aquilo. Tem que ser soberano e defender o interesse do país. 

Estamos praticamente na metade do mandato presidencial. O senhor considera que ainda existe possibilidade de um reposicionamento e o presidente conseguir superar essas dificuldades para tocar alguns projetos e as reformas apontadas como necessárias? 

E o pior é que agora temos um inimigo comum que é esse vírus. Esse vírus não é filiado a partido, não tem viés ideológico, nem projeto político. Perdemos uma grande chance de termos uma interlocução com os estados, os governadores. Algo em nível de país. Mas já está se falando de sucessão. Algo que se aprende é que no primeiro ano há um produção grande dos governos, no segundo vem a eleição municipal, no terceiro produz muito e no quarto, a eleição novamente. Mas com reeleição já fica todo mundo pensando em recondução. E temos as reformas que precisam ser feitas. É fundamental um grande entendimento nacional. Logo não teremos mais motivos para brigar. Um país com 14 milhões de desempregados é algo fora do comum. Além disso, 53 milhões de brasileiros estão na linha de pobreza, 13 milhões de brasileiros estão abaixo da linha de pobreza. Falta, para enfrentar esses problemas, um grande entendimento nacional, uma grande conversa política. É preciso se preocupar mais com o país e menos com a próxima eleição. 

Se fosse dar uma sugestão ao presidente, qual daria? 

Uma aproximação com o Congresso Nacional, ouvir os líderes partidários e uma pacificação política. É preciso olhar menos para trás. Vencedores e vencidos estão sob a mesma responsabilidade. Deixar essas sombras do passado e apreocupação com as eleições. E pensar na gestão do país. 

O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias foi aprovado com um déficit do governo federal em mais de R$ 200 bilhões, mas pode ser ainda maior se forem necessárias medidas emergenciais no próximo ano por causa da pandemia. A situação pode se agravar do ponto de vista das contas públicas? 

Preocupa, ao senhor que acompanha as finanças públicas, essa situação? Não tenha dúvida nenhuma [que preocupa]. Qual vai ser o crescimento este ano? Entramos em 2020 sonhando com um crescimento de 3% do PIB. Este ano nosso sonho foi lá para trás. Agora esperamos que voltemos aos patamares do ano passado, porque os números são muito piores. A nossa perspectiva é muito ruim, porque não temos crescimento econômico e, sem isso, não há geração de emprego. Ficamos discutindo quem será o candidato, mas precisamos ir atrás dos empregos. Com geração de emprego, há comida nas mesas, filhos nas escolas, melhorias na saúde. A geração de empregos deve ser perseguida por todos. Precisamos colocar esses 14 milhões de brasileiros que estão à margem das oportunidades de volta ao mercado de trabalho. Para isso, é necessário uma diretriz. Onde queremos chegar? Qual o nosso projeto [de país]? Estamos investindo em quê? São aspectos fundamentais para a retomada. Hoje assistimos às oportunidades diminuído, as pessoas desacreditando do país. E, apesar disso, só se fala sobre eleição. O Ministério da Economia alerta que as perspectivas estão difíceis. Mas o que está se fazendo para combater? 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, inclusive quando assumiu criou uma expectativa positiva em alguns setores de que conduziria reformas liberalizantes, faria privatizações, o que poderia, avaliavam, destravar o crescimento. Há uma frustração com a demora com relação a execução destes projetos? 

Sonhar não custa nada, já dizia o poeta. Mas, na hora da gestão, é preciso estar a par da realidade. O Brasil não é fácil. Somos “alguns países” aqui. Não se pode dizer, por exemplo, que o pobre do Rio Grande do Norte é igual e enfrenta os mesmos problemas e dificuldades do pobre de São Paulo. Se muda, como pobre, para São Paulo, continua na mesma classe social. Só que o PIB per capita do Nordeste é R$ 15 mil e, o do Sudeste, R$ 35 mil. Isso é o mesmo país? Está sob a mesma égide constitucional, mas não é o mesmo país. O PIB per capita do Norte é de R$ 19 mil e do Centro-Oeste, de R$ 42 mil. O que temos de comum no Brasil? A Língua, a Bandeira, a Constituição e o Hino. No resto, somos absolutamente desiguais. Mantemos a injustiça desde a nossa origem. Nosso país foi fundado, desde a Corte, com pagadores de impostos e aqueles que gastavam. O Brasil tem funcionado assim. E veja, a Constituição diz que tem que corrigir as diferenças regionais, mas não diz como, nem cria parâmetros, nem regras. E vamos mantendo as nossas pobrezas e diferenças regionais. Quando começa a demitir, por exemplo, inicia o fluxo de nordestinos. Quando faltam os empregos, o fluxoinverte. Os nordestinos são os primeiros a voltarem para casa. Quando começa a crescer, são os último que voltam para os seus empregos. Então, este país é injusto. Precisávamos de um grande pacto nacional das lideranças políticas para consertamos o nosso país nas raízes. Nos temos a questão da reforma administrativa. A máquina pública brasileira custa uma fábula em todos os Poderes. Precisávamos fazer a reforma tributária. Não é justo que pobres financiem os mais ricos. Então, são muitas questões profundas que só se pode discutir havendo diálogo, entendimento e tirando essa permanente perspectiva da próxima eleição que norteia de forma permanente a cabeça dos políticos brasileiros. 

A proposta de reforma administra enviada pelo governo para discussão e votação no Congresso pode ser interessante nesta direção? Ou precisaria ser mais rigorosa, uma vez que não tem validade para os atuais servidores, apenas para os que entrarem no serviço público após a aprovação? 

Falta dizer mais que será a partir da promulgação. Você pergunta se é uma proposta interessante. Desinteressante é ficar como está. Não pode ficar como está. Temos algumas reformas que já passaram do tempo de serem feitas. Algumas coisas precisam ser enfrentadas. Não estamos nem nos aproximando do fundo do poço. O fundo desce. Estamos no subsolo. Precisamos enfrentar essas questões. 

E no caso das mudanças para os servidores públicos, no enfrentamento de alguns privilégios para algumas carreiras, como a proposta que foi enviada ou com mudanças para ter validade já para quem está no serviço público? 

Dizem que o inimigo do bom é o ótimo. Ruim é como está. Esta pandemia está mostrando que a forma de se viver, se relacionar, mudou. Temos que aproveitar isto. O Tribunal de Contas está produzindo mais com 90% de sua força de trabalho em casa. Como vai ficar esse país diante das mudanças? Precisamos enfrentar isto. 

E como o senhor vê a atuação do governo federal na pandemia? 

Acho que perdemos uma oportunidade gigantesca de sentar todo mundo e dialogar com a preocupação de quem tinha vacina, quem não tinha, quem iria ser o ator principal, o coadjuvante. A vitória tem que ser de todos. Precisa ter uma socialização dos resultados. Poderiam ter sentado governantes de situação, de oposição e mostrado à sociedade que os interesses políticos estão abaixo da busca de uma solução que atenda a toda a sociedade. Houve uma politização da pandemia, como está havendo uma politização das vacinas. Evidentemente, com o problema da “segunda onda”, se nota nichos de preocupação aumentando. O governo fala da vacina, algo sobre o qual não estava falando. É acabar com essa história que a vacina é de Fulano ou de Beltrano, é de inimigo. Como se na próxima eleição alguém pudesse dizer que é inventor da vacina, que tratou da vacinação. Isso é uma vitória ou derrota do país. Não fomos felizes nessa questão da pandemia.

O senhor responsabiliza um governante, algum nível de governo, um setor? 

Não quero responsabilizar alguém. Mas sim a falta de diálogo. Os atores que fulanizem, como dizia Marco Maciel. 

O senhor deixa o TCU em dezembro? 

Minha aposentadoria está requerida para o dia 31 de dezembro de 2020. 

O presidente já lhe fez elogios, convidou para ir para ministério. Cogita aceitar agora? 

Ele convidou. Mas vou seguir meu caminho, ver se compenso o tempo que tirei dos filhos, com os netos. Procurar os amigos. Tentar viver uma vida diferente.