BOLSONARO É BURRO E GOVERNA COMO SE ESTIVESSE EM UM CHURRASCO, DIZ PONDÉ
Ao contrário dos filósofos e
intelectuais que o presidente Jair
Bolsonaro tanto critica, Luiz Felipe Pondé sempre se colocou
à direita no espectro ideológico. Defensor de bandeiras liberais, tanto na
economia quanto nos costumes, o filósofo e escritor brasileiro era comumente
criticado por seus pares por defender um Estado menor e a economia de mercado.
Para ele, o liberalismo “dentro de todas as políticas
econômicas, é a que parece menos ruim”. O filósofo, no entanto, não está nem um
pouco satisfeito com o governo de direita de Bolsonaro, que vem se afastando
cada vez mais do perfil liberal que prometera durante as eleições. E parte da
culpa dessa instabilidade, para o filósofo, é do seu companheiro de
profissão, Olavo de Carvalho.
Não por acaso, Pondé acredita que Bolsonaro tem potencial de
ser uma liderança nacional populista, aos mesmos moldes do primeiro-ministro
húngaro, Viktor Orbán, e do vice-primeiro ministro italiano Mateo Salvini. Quer
dizer, existe um obstáculo: para o filósofo, Bolsonaro é burro.
“Ele é burro. Pode escrever isso. Ele é burro, segue um
intelectual paranoico e se deixa influenciar pelos filhos que não entendem nada
de sociedade e de convívio democrático”, diz Pondé.
O melhor caminho para se tomar, segundo ele, é uma conversa
mais madura entre todo o espectro político, deixando a radicalização de lado.
“A política é a capacidade de conviver com o que você não concorda. Não é
conviver com o que você concorda”, afirma ele, que recebeu a reportagem de
EXAME em seu escritório, em São Paulo.
Se Bolsonaro não entender isso, de acordo com Pondé, um
impeachment pode se tornar um caminho possível. Confira, a seguir a sua
entrevista:
Como o senhor avalia o atual momento da direita? Ela está se
dividindo?
Durante as eleições, houve uma convergência de pessoas de
várias direitas que não gostariam que o PT voltasse ao poder. E isso aconteceu
por todas as razões do mundo. O partido tinha se transformado em uma gangue que
estava roubando o Estado de forma sistemática. Além disso, a nova matriz
econômica da ex-presidente Dilma Rousseff destruiu a economia. Depois das
eleições, o gradiente da direita ficou evidente. Há aqueles reacionários, que
tem um conservadorismo moral ligado ao Olavo de Carvalho, os evangélicos, os
militares e os liberais.
Qual é a sua opinião sobre o papel de Olavo de Carvalho no
governo?
Ele é uma péssima influência para o governo e ao país. É um
intelectual, sem dúvida nenhuma, com repertório mesmo que constituído
informalmente. Mas ele se transformou em um elemento desestabilizador. O Olavo
é completamente paranoico e conspiratório. Sempre criou ciclos assim. Essa
direita mais próxima do Bolsonaro, chamada de ideológica, é um grupo
desorientado mentalmente e intelectualmente.
Há discussões da falta de coesão de pensamentos entre os liberais
e os conservadores e isso está ficando evidente na prática. O senhor enxerga a
possibilidade de existir uma sintonia maior entre os dois grupos?
Acredito que não. É mais fácil existir um alinhamento dos
militares com a direita do Paulo Guedes. E isso apesar dos militares
brasileiros não terem uma tradição liberal, como é o caso dos chilenos. O grupo
formado por seguidores do Olavo e do Bolsonaro não tem entendimento da
realidade. O presidente governa o país como se estivesse na varanda fazendo churrasco
e gritando com os filhos. Por isso, é muito difícil manter a convergência a
médio e longo prazo.
O lado conservador do presidente não permite essa
convivência no longo prazo?
Não é por isso. Durante dois mandatos, o ex-presidente dos
Estados Unidos, Ronald Reagan, conseguiu sustentar uma parceria entre o
movimento evangélico americano e a escola liberal, que ele representava.
Mas o Bolsonaro não faz isso por que não quer ou por que não
consegue?
Porque ele é burro. Pode escrever isso. Ele é burro, segue
um intelectual paranoico e se deixa influenciar pelos filhos que não entendem
nada de sociedade e de convívio democrático. Não é, a prori, o conservador de
costume que inviabiliza uma economia liberal. A prova é, como eu disse, os
Estados Unidos dos anos 80. Porém, pode ser que eu esteja errado e que daqui a
seis meses eu perceba que havia uma estratégia ou que ele se perdeu, mas depois
se encontrou.
Neste momento, no entanto, a impressão que temos é que ele
está destruindo o governo. Parece que ele não percebe que há uma relação entre
estabilidade política e econômica. Ninguém vai comprar uma televisão em 15
vezes se o país estiver em uma guerra civil. Qualquer criança de 12 anos sabe
disso.
Mas como fica a direita nessa história? Depois de tanto
tempo adormecida, Bolsonaro está fazendo a direita mais forte por estar no
poder ou essas instabilidades trazem uma visão negativa do movimento?
É necessário analisar todo o processo. Em um primeiro
momento, a possibilidade de Bolsonaro realizar um governo mais liberal
economicamente é baixa. Não tem que ficar perseguindo transexual, isso é coisa
de idiota. É necessário desenraizar uma máquina que parte do PT montou, e
acredito que não tenha sido todo o partido, para espoliar o Estado.
Durante as eleições, a resposta para essa pergunta seria que
era um bom momento para a direita e que seria possível colocar em prática uma
economia de mercado mais livre, com reforma tributária e menos lei trabalhista
que destrói na economia. A reforma da Previdência é um símbolo disso. E o
descaso com que o Bolsonaro trata esse tema mostra que ele não entende nada de
país e nem de sociedade. Neste momento, o Bolsonaro está fazendo mal à direita.
Qual é a sua visão sobre o nacional populismo, encarnado por
figuras como o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán e o
vice-primeiro-ministro italiano Matteo Salvini?
Por acaso, voltei da Hungria recentemente. Lá, eu vi que os
húngaros são felizes. A economia está crescendo e, quando isso ocorre, todo
mundo fica feliz. Por isso, Orbán conseguiu desmantelar o Supremo Tribunal, a
oposição e a própria mídia independente.
Muitos querem chamar o nacional populismo de fascismo, mas é
diferente. O primeiro chega ao poder por meio de eleições e não destrói
necessariamente o arcabouço da democracia, mas coloniza a democracia destruindo
o sistema de pesos e contrapesos.
Alguns intelectuais colocam o presidente Bolsonaro como
parte desse movimento. Qual é a sua opinião?
Acredito que ainda é precoce dizer isso. A capacidade de
gestão dele faz com que ele tenha mais dificuldade. Se ele entendesse que
estabilizar a economia fosse algo importante, talvez ele tivesse uma trajetória
parecida com a do Orbán. Mas a minha suspeita de que ele seja burro e inepto é
porque ele parece não entender que, mesmo que ele queira por em prática um
sistema nacional populista, ele teria que fazer a economia crescer.
Aí sim, ele poderia colocar em prática o que eu considero
uma tragédia no sistema político. Ainda que a Hungria esteja crescendo agora,
em algum momento vai dar problema. O problema do regime autoritário é que, para
continuar sendo autoritário, precisa ser cada vez mais autoritário.
Mas o senhor acredita que o Bolsonaro pode enveredar para
esse lado?
É cedo pela minha suspeita de ele não ser inteligente o
suficiente para isso. Além disso, ele também está há pouco tempo no poder. Ele
tem um discurso próximo. Mas o Brasil tem características diferentes. Por
exemplo, não temos problemas com imigração. E, por aqui, não temos um racismo
tão agressivo como na Hungria – apesar de existir racismo, sim.
Como o senhor enxerga o futuro das reformas e do próprio
governo?
O presidente vem recebendo críticas de especialistas e de
congressistas de que não se engaja na aprovação de reformas importantes.
Ele não se engaja porque não entende que é importante.
Bolsonaro prefere falar que Olavo de Carvalho é ícone. Ícone para quem? Só se
for para paranoicos agressivos. Se Fernando Haddad tivesse ganhado a eleição, a
minha expectativa agora seria a mesma da atual: estabilização da economia.
Então, eu não estou torcendo contra o Bolsonaro. Torcer contra ele agora, ainda
é torcer contra o Brasil.
Mas em um momento pode deixar de ser. Espero que Bolsonaro,
até o fim do semestre, entenda que ele é uma instituição e não o papai do
Carlos ou o fã do Olavo. Ele é o presidente da República e, portanto, deve
conduzir as reformas, negociar com o Congresso e fazer o trabalho que um
presidente faz. O ex-presidente Michel Temer estava fazendo isso antes dele.
Bolsonaro está criando uma saudade do Temer nesse aspecto.
O senhor enxerga outros cenários?
Tendo em vista o atual momento, há outras três
possibilidades. Uma delas é os militares, que funcionam como fiadores do governo,
saírem. Os militares nunca viram o Bolsonaro como um deles. Ele é muito mais
baixo clero do Congresso do que militar. Essa história de ele ser militar é um
marketing que ele construiu e que está ficando mais claro que é falso. Então,
os militares aderiram ao Bolsonaro para parar o PT. Também vejo a possibilidade
do Paulo Guedes ficar de saco cheio e sair do governo.
Dessa maneira, o Brasil entraria em uma espiral de
instabilidade econômica gigantesca. Se isso acontecer, podemos assistir a um
novo impeachment. Isso seria terrível para o país. A última seria o presidente
virar uma espécie de rainha da Inglaterra, que será colocado de canto e que
ninguém mais levará a sério. Aí de vez em quando ele vai xingar alguém nas
redes sociais, comentar de “golden shower” com o filho dele e assim vai indo.
Estamos vivendo em um país cada vez mais radicalizado, à
esquerda e à direita.
O senhor acredita que essa divisão continuará por
bastante tempo?
No momento, na minha opinião, a esquerda não existe. E ela
não existe porque Ciro Gomes, que seria o nome mais interessante, é boicotado
pelo PT, que ainda luta para tirar Lula da cadeia. É um surto psicótico. O
PSOL, que reúne alguns nomes mais próximos da intelectualidade, como o
Guilherme Boulos, que é um sujeito preparado e capaz, marca traço de audiência.
O PSOL precisaria de um milagre.
Tendo em vista o início em que ele era muito desacreditado,
a eleição de Bolsonaro à presidência pode ser considerada um milagre?
Não. Bolsonaro representa um grupo que se sentiu excluído
por muito tempo. O conservadorismo de costumes tem uma importância grande no
país. Além disso, a população foi ficando de saco cheio dos excessos da
esquerda e das discussões inúteis, como ideologia de gênero.
Quando eu digo inútil é no sentido estatístico, não para
quem sofre com o problema. As mídias sociais fizeram Jair Bolsonaro acontecer.
E contou com uma incompetência da oposição. O PSDB, por exemplo, é um partido
péssimo de 15 caciques e dois índios. É um partido de salto alto.
As mídias sociais são um espelho do atual momento de
radicalismo. O senhor acredita que, em algum momento, esse conflito tende a ser
amenizado?
As pessoas, na maior parte do seu dia a dia, tendem ao
centro. Elas só radicalizam quando estão sofrendo demais. Se tivermos um equilíbrio
econômico no país, os radicais perdem espaço. As mídias sociais sempre serão
uma ferramenta de instabilidade, de marketing político e sempre terão notícias
falsas. As pessoas usam essas notícias falsas quando gostam e quando é
conveniente. Elas não ligam para fonte.
Está faltando conversa entre as partes? Ao mesmo tempo, os
mais extremistas estão relutando qualquer tipo de contato com o espectro
político contrário.
A estabilidade mental política precisa de um diálogo ao
centro. A política é a capacidade de conviver com o que você não concorda. Não
é conviver com o que você concorda. Isso é prova de que o Bolsonaro não entende
nada. E eu acho que a polarização tende a continuar por mais de quatro anos.
Acho bem difícil que as eleições de 2020 e 2022 não sigam o mesmo caminho.
Muito por culpa do governo Bolsonaro, isso se ele não acertar o passo.
O senhor sempre se colocou como um liberal. Ao mesmo tempo,
o movimento é visto como pouco preocupado com questões como a justiça social.
Qual é a sua percepção desse movimento atualmente?
O movimento tem que amadurecer, como todos os outros. O
socialismo, por exemplo, está aprendendo a amadurecer na porrada porque não deu
certo em nenhum lugar. Toda a percepção de mundo tem que amadurecer. Mas quando
eu me identifico com o universo liberal é porque, dentro de todas as políticas
econômicas, é a que me parece menos ruim. Não sou anarcocapitalista, por
exemplo. Porém, para se ter justiça social, é necessário equilíbrio fiscal. E
para isso, são necessários princípios liberais de administração do Estado. Não
se faz justiça social quebrando o Estado.
Às vezes, a esquerda é cega porque ela quer ser ou porque
simplesmente não quer enxergar uma realidade. Assim como a direita liberal pode
ser cega ao não levar em conta toda uma gama de elementos de mal estar que o
capitalismo causa nas pessoas. Ser competente e eficaz o tempo inteiro causa
problemas psicológicos nas pessoas, desvinculação familiar, entre outros.