JURISTAS DIZEM QUE APOIO DE BOLSONARO A NEYMAR FERE ÉTICA DO CARGO
Especialistas em direito penal e constitucional viram a fala do presidente Jair Bolsonaro em manifestação de apoio a
Neymar hoje como uma declaração que fere os direitos das mulheres, a
ética do cargo e 'infeliz'. O presidente da República declarou em entrevista
coletiva que "acredita em Neymar" no caso da acusação de estupro
contra o jogador, a qual corre em segredo de justiça.
"Espero dar um abraço no Neymar antes do jogo. É um
garoto. Está num momento difícil, mas eu acredito nele", afirmou
Bolsonaro, que ainda se dirigiu ao jornalista que fez a pergunta sobre o caso.
"Você está julgando o Neymar. A Folha de S. Paulo já
está julgando o Neymar como
sempre me julgou nesse tempo todo A mulher
atravessa o continente, um monte de coisa acontece e ela chega no Brasil e
quer... Hoje à noite, estamos juntos para fazer dois gols lá no Mané
Garrincha", disse.
Neymar é investigado por estupro depois de uma modelo
denunciar o jogador na última semana. Ela fez um boletim de ocorrência, no qual
afirma que Neymar a estuprou durante encontro em Paris, em maio. O
atleta se defendeu afirmando que a relação sexual foi consensual. O caso é
apurado pela Polícia Civil de São Paulo.
O UOL ouviu juristas sobre a afirmação de
Bolsonaro. No que diz respeito ao direito constitucional, os especialistas
condenaram que o chefe do Executivo emita opinião sobre um inquérito policial
que ainda não foi concluído.
"A afirmação feriu a ética a partir do momento que ele
detém a mais alta função pública do país. Fere a ética do cargo, mas, fazendo
uma análise técnica, não vai ser levado às consequências, que seria um
impeachment por ferir o decoro. Se fosse levar rigorosamente a questão,
poderíamos dizer que ele feriu o decoro, conforme consta na Constituição, lei
1079, a lei do impeachment. É uma afirmação leviana. Ele não pensa no que fala,
é um comentário infeliz, ele fez esse comentário como pessoa, como qualquer um
de nós. Um presidente não pode sair fazendo esse tipo de afirmação",
comentou Vera Chemim, advogada constitucionalista, mestre em direito público
administrativo.
O item 7 da lei do impeachment diz que é crime contra a
probidade da administração "proceder de modo incompatível com a dignidade,
a honra e o decoro do cargo".
Mônica Sapucaia Machado, doutora em direito Político e
Econômico, ressalta que esse tipo de manifestação pública de um presidente da
República é contrário ao que a Constituição garante em relação à violência
contra mulheres.
"O Estado brasileiro rechaça a violência contra as
mulheres. Esse é o problema do posicionamento. É diferente de dizer se o Neymar
joga ou não bem. O posicionamento é contrário ao que a Constituição garante,
não reforça o compromisso do Estado com relação à violência e é o papel dele
reforçar. O ideal seria que não falasse nada. Que falasse que isso será tratado
nos órgãos competentes ou se for falar, que espera um processo justo e
eficiente e que o Brasil se compromete a garantir a segurança das mulheres
brasileiras. Foi mais uma declaração infeliz, que reforça um posicionamento do
atual governo de que não é prioridade o combate a violência contra mulher.
Assim você autoriza os comentários machistas", afirmou.
"Ninguém pode falar que o Neymar e culpado ou
inocente"
Na esfera criminal, Jair Bolsonaro se manifestou sobre um
inquérito policial que ainda não foi concluído e corre em segredo de justiça.
Iara Matos, advogada especializada em violência de gênero e criminal, explicou
que o melhor seria não comentar sobre um assunto tão delicado.
"Ele não teria que se manifestar, nem abraçar o Neymar
antes do final do inquérito policial. Ninguém pode falar que o Neymar e culpado
ou inocente. Só quem pode determinar é a delegada depois da investigação O
presidente vai na linha das pessoas que falam que ela deu bola e chega na hora
'H' não quer. Mas o homem consuma. O presidente está (seguindo) a lei que o
homem podia matar em defesa da honra. Ele tem a cabeça de 50 anos atrás",
opinou.
"Bolsonaro não cometeu crime ao apoiar Neymar"
João Paulo Martinelli, criminalista e professor de
pós-graduação da Escola de Direito do Brasil, explicou que Bolsonaro poderia
ter cometido crime se o caso de Neymar já tivesse sido julgado e o jogador,
condenado.
"Não existe crime, porque o crime de apologia ao crime
ou ao criminoso exige o dolo que é conhecimento que alguém já tenha sido
condenado ou que tenha fama de ser criminoso e mesmo tendo conhecimento alguém
público acabar exaltando a pessoa. Nesse caso do presidente, não é recomendável
falar, porque é um caso em sigilo, vai ser investigado, que não se sabe
exatamente o que aconteceu. Os crimes sexuais são sigilosos. Precisa haver
prudência do presidente da República, porque está em investigação. Nenhuma
autoridade deve se pronunciar", comentou.
Maíra Cardoso Zapater, professora de Direito Penal da
pós-graduação da FGV, classificou a fala como "imprudente".
"Em termo penal, não há relevância. A fala demonstra um
posicionamento que não surpreende ninguém, o Bolsonaro é conhecido por esse
tipo de declaração machista, misógina, etc. Isso está dentro da liberdade de
expressão, embora seja descuidada qualquer declaração nesse sentido por não
saber os fatos. É uma fala imprudente", disse.