‘VIABILIDADE ZERO EM 20 ANOS’, DIZ EX-PRESIDENTE DO BC SOBRE ‘PESO REAL’
A ideia lançada pelo presidente Jair
Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, de uma moeda
única entre Brasil e Argentina, o “peso real”, tem “viabilidade zero” em um
horizonte de, ao menos, 20 anos – isso se “tudo der certo” na próxima década.
Assim avalia o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes, conhecido
como Chico Lopes, que ocupou o cargo entre janeiro e fevereiro de 1999, em meio
à crise cambial do início do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso
(PSDB).
Para Lopes, qualquer iniciativa do tipo, como ocorreu na
Zona do Euro, só é concretizada a “longuíssimo prazo” e pressupõe um “dever de
casa muito grande”, baseado, sobretudo, em estabilidade. “Você precisa de muita
estabilidade monetária, fiscal e política, para pensar nisso seriamente. A
viabilidade é zero no horizonte de muitos anos. Talvez daqui a uns vinte anos,
se tudo correr bem por uns dez anos. É a muito longo prazo”, disse Lopes a
VEJA.
O primeiro pilar de uma união monetária seria, para ele, a
padronização cambial, com os dois países se comprometendo a manter a taxa de
câmbio dentro de uma certa faixa “durante muito tempo” – obstáculo
especialmente grande aos argentinos, às voltas com um plano junto ao Fundo
Monetário Internacional (FMI). Em abril, o Banco Central da Argentina congelou
a banda cambial para o peso até o fim deste ano. O objetivo é fazer um aperto
na política monetária para ajudar a conter os preços no varejo.
Outra dificuldade, na visão de Chico Lopes, seria o Banco
Central único. “Se tem Banco Central comum e um país entra em recessão e o
outro não, o que você faz com a política monetária? Teria que ter um nível de
estabilidade, que hoje, no Brasil, é maior do que na Argentina. Eles estão com
um programa com o FMI, a dúvida é se esse programa sobrevive. Há muita
instabilidade”, diz.
O ex-presidente do BC entende que a proposta de Jair
Bolsonaro em viagem oficial à Argentina é, neste momento, “só retórica” para
“ajudar politicamente” o presidente argentino de centro-direita, Maurício
Macri. Bolsonaro já externou diversas vezes preocupação com eleição
presidencial argentina de outubro, na qual Macri, mal avaliado pela população,
terá entre os adversários a chapa peronista composta por Alberto Fernández como
candidato à Casa Rosada e a ex-presidente Cristina Kirchner como vice.
Em abril, o governo Macri lançou uma série de medidas com o
objetivo de controlar a inflação elevada e reativar o consumo no país, entre as
quais congelar os preços de cerca de sessenta produtos básicos e conter os
aumentos das tarifas dos serviços públicos, em uma tentativa de frear a
inflação, que acumula aumento de 55% nos últimos doze meses. As medidas fazem
parte do plano acordado com o FMI.
Ao comentar a proposta para uma moeda única, Jair Bolsonaro
lançou mão de seu léxico matrimonial e a comparou a um “casamento”, no qual
“você ganha de um lado e perde do outro”. Para Chico Lopes, contudo, o Brasil
não levaria vantagem alguma com o peso real.
“Para o Brasil, na situação atual, não teria nenhuma
vantagem. Para os argentinos seria mais animador. A Argentina está em uma
situação que você olha para os números e não vê como sai. Inflação altíssima,
recessão enorme, eleição a curto prazo, programa com o FMI e sem reservas
suficientes para estabilizar a taxa de câmbio”, avalia.