‘VAMOS DEIXAR O BOLSONARO SENTAR NA CADEIRA: ELA QUEIMA’, AFIRMA DIRCEU
José Dirceu desceu a escadaria com um celular na mão. Tinha
olhar concentrado na tela do aparelho. “Acho que vou ser preso.” O líder
petista ficou tenso. Era seu advogado, Roberto Podval, quem lhe chamava ao
escritório, interrompendo a série de compromissos que o aguardavam em São Paulo
nesta quarta-feira, 12. Alarme falso. Condenado
a 41 anos na Lava Jato, o ex-ministro falou ao Estado sobre Jair Bolsonaro, a
crise ética do PT e a prisão que o espera.
Quando o PT foi fundado, dizia-se que a vida de um militante
seria no mundo moderno um símbolo de que outra vida era possível. A crise ética
do PT, exposta na delação de Antonio Palocci, não leva descrédito à esperança
de que outro mundo é possível?
Você conhece os vereadores do PT? Os deputados, os
prefeitos? Alguém enriqueceu na política? A Luiza Erundina enriqueceu? O (Fernando)
Haddad? A Marta (Suplicy) enriqueceu na política? Não tem. Problema de caixa 2
de eleição, relações com empresas, é uma coisa; outra é enriquecimento pessoal
e corrupção. Uma coisa é a responsabilidade nossa, dos dirigentes, pelo caixa
2, pela relação com as empresas, pelo custo das campanhas. Outra coisa é o
partido. Você não pode condenar um partido.
E o ex-ministro Antonio Palocci?
O Palocci é o Palocci. Não tem outro. Só tem o Palocci.
Ninguém mais delatou. Quem que delatou mais? Ninguém. Aliás, estão presos só
quem não delatou, porque está todo mundo solto. São mais de 180 delatores
soltos com seus patrimônios. As empresas foram arruinadas. É o contrário no
mundo, onde se protege as empresas e se desapropria todos os bens dos responsáveis
pelos atos ilícitos das empresas. No Brasil, não. Aqui se fez o contrário. Toda
a construção política da Lava Jato é em cima das delações, e a maioria delas em
cima do terror psicológico.
Qual o destino político de Lula?
A história dirá. Já me perguntaram por que o PT não se livra
do Lula ou não se desvencilha do Lula, insiste no Lula. Porque o PT e o Lula se
confundem. O Lula tem um legado e domina 40 milhões de votos. O PT não só tem
de defender a liberdade do Lula e a inocência dele, como também o legado dele.
Mas não fizeram isso pelo sr.
Mas é completamente diferente. Eu me defendo. Onde chego no
Brasil, tenho apoio da militância do PT, de dirigentes.
Mas e a sua cassação…
Não me defenderam porque fizeram uma avaliação errada do que
era o mensalão. Errada do que era a conjuntura. Se eu for me sentir vítima,
teria morrido de enfarte ou de câncer há muito tempo. Eu tenho experiência
política suficiente para compreender que isso era luta política e eu era o alvo
da luta político. Podia ter sido outro. Eu superei isso, tanto que, apesar da
Lava Jato, continuo na militância política.
Dilma em 2013 sancionou a lei de delações premiadas, que o
sr. tanto critica. Ela sabia o que estava fazendo quando a sancionou?
O problema nosso foi ingenuidade de não fazer um pente-fino
nessas leis (delação premiada, organização criminosa e antiterror) e não
perceber que o modo aberto em que se deixou várias questões permitia o que está
acontecendo. A lei de delação é tão absurda que, se a deleção for anulada,
continuam valendo as provas. O delator perde os benefícios, mas continua
valendo a delação. Como pode fazer delação preso? Delação é pessoa solta, em
liberdade. Erramos ao não nos darmos conta de que vários pontos podiam ser
usados de maneira antidemocrática, ser instrumentos de repressão e não de
Justiça.
Como fica Lula com Bolsonaro?
O Lula tem de seguir. O problema do Lula independe do
governo Bolsonaro. Deixa o Bolsonaro tomar posse. Nós sabemos as intenções dele
em relação a ‘n’ questões, mas não na questão econômica. Vamos ver o que o (Paulo)
Guedes vai fazer, o que o Congresso vai aprovar e como o Judiciário vai se
comportar. Ele nunca escondeu o que seria em questões de política externa, de
meio ambiente, maioridade penal e da mistura do Estado com a religião.
É possível reconstruir pontes com partes do PSDB?
Há questões no Brasil que temos de defender com todos
aqueles que queiram estar nessa luta. Todos são bem-vindos contra o Escola sem
Partido, contra a mistura do Estado com a religião e questões da democracia e das
liberdades individuais. Já a agenda econômica é mais restritiva.
E a reforma da Previdência?
Vamos esperar primeiro qual a reforma de Previdência que
Bolsonaro vai propor.
Um regime único para militares, funcionários públicos
e iniciativa privada?
Nós somos favoráveis. Os militares, os servidores públicos e
a iniciativa privada. Vamos procurar pontos de contato com todas as forças
políticas para se fazer uma reforma da Previdência, mas não essa de
privatização da Previdência. O Brasil tem muita coisa para reformar que você
pode ter contato com outras forças políticas, não necessariamente só as de
esquerda. Eu sempre fui aliancista, sempre procurei alianças. Mas vamos aos fatos:
nós esperávamos que o Fernando Henrique (Cardoso) apoiasse o Haddad no segundo
turno. O eleitorado apoiou, pois nos 47 milhões de votos do Haddad têm uma
parcela grande que é anti-Bolsonaro e votou no Haddad.
Haddad consegue ser um líder popular?
Ele vai ser um líder político.
Mas popular?
A história dirá. Não posso dizer. Ele tem condições de ser.
A oposição pode se unir em torno de Ciro Gomes?
Ela não vai se unir em torno de figura nenhuma. Ela vai se
unir em torno de pontos concretos.
É possível o PT convergir com forças da centro-direita?
Pode-se convergir com outras forças em questões que são
essenciais das liberdades democráticas. Não fizemos isso na campanha das
direitas? Vamos deixar o Bolsonaro sentar na cadeira. Aquela cadeira queima;
queima aquela cadeira de presidente. Ele vai ter de tomar várias decisões em
janeiro e fevereiro. Ele vai desvincular o salário mínimo da Previdência? Ele vai
congelar o salários dos servidores públicos? Vai revogar a tabela do frete,
subsidiar o diesel? A vida é dura. Que reforma da Previdência ele vai fazer?
Ele vai realmente adotar sua política externa? Ele vai descontingenciar,
executar todo o orçamento das Forças Armadas, da Segurança e da Justiça e vai
contingenciar o orçamento da Saúde e Educação? Ele vai desconstituir a Loas (Lei
Orgânica da Assistência Social)? Porque tem declarações muito contraditórias
entre eles. Qual a política dele? Deixa ele governar. Não foi eleito? Vamos
fazer oposição conforme as propostas que ele fizer, independentemente do fato
de que somos oposição a ele já, pois temos concepções diferentes de País, de
vida, de tudo. Quero que ele comece a governar, tomar decisões, porque senão
fica parecendo que você está torcendo para dar errado, né. Não estou torcendo
para dar errado; só estou dizendo que não vai dar certo. Não deu em outros
países, não vai dar aqui.