BOLSONARO É TOSCO, MAS AINDA NÃO DERRETEU, DIZ RODRIGO DE ALMEIDA
Tomo emprestada do professor Christian Cyrill Lynch, do
IESP/Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro) a seguinte hipótese: Jair Bolsonaro montou um governo muito
forte mas, paradoxalmente, revela-se como a sua peça mais frágil e pode ser,
portanto, eventualmente dispensável.
Caso se torne fraco como Michel Temer, incapaz de aprovar o
que quer que seja, muita gente importante concluirá ser preciso sacrificá-lo
para salvar o governo, e aí o general Hamilton Mourão, seu vice, estará pronto
e disponível para ser abraçado.
Recorro à hipótese de Lynch para ecoar algumas vozes
independentes no colunismo político brasileiro, entre os quais parece haver uma
assertividade curiosa: o governo Bolsonaro estaria padecendo de derretimento
precoce.
Segundo a visão dessas vozes, apequenado pelos micos
internacionais, engolfado pela bizarrice de alguns dos seus ministros,
enlameado pelas lambanças de Zero Um e seus amigos de reputação duvidosa, o
presidente seria muito mais um pato manco do que um governante com alto capital
político em início de mandato.
Lynch analisa a possibilidade de enfraquecimento pessoal do
presidente, não necessariamente de seu governo. Mas outros analistas preferem
antecipar o derretimento do governo como um todo. É como pensa muita gente da
esquerda, moderada ou extrema, e mesmo muitos liberais críticos ao presidente
da extrema direita, eleitores arrependidos ou não-eleitores.
Um equívoco. E um equívoco tão grande quanto, em passado
recente, muitas vozes deram de ombros para o risco-Bolsonaro e suas
possibilidades concretas de ascensão e viabilidade eleitoral. Deu no que deu.
Enxergam os movimentos de Bolsonaro com os óculos dos modelos tradicionais de
leitura política. Estariam certos se os modelos tradicionais de leitura
política ainda valessem o que valeram no passado.
AS ESQUISITICES, A AGENDA E O CAPITÃO
Enxergo pelo menos 3 planos para avaliar o atual governo. O
primeiro é o que está na superfície: as esquisitices do seu ministério, bem
maiores do que se poderia esperar. Aqui não faltarão exemplos diários de
espetáculos vergonhosas, que em geral cumprirão o papel do diversionismo, da
captura da energia dos adversários, do rame-rame sobre o nada que, na prática,
esconde coisas essencialmente perigosas e danosas.
Entre essas coisas essencialmente perigosas e danosas, não
nos esqueçamos do viés ideológico que pratica, negando-o, seja no projeto
pedagógico-educacional, seja na política externa. Ou da sua
vertente-integralista-modelo-século-21, aquela que une a antiga divisa “Deus,
Pátria e Família” ao liberalismo econômico. As respostas espantadas a essas
esquisitices parecem ignorar a plataforma conservadora sobre a qual se assentou
a campanha bolsonarista.
O 2º plano é o da capacidade de agenda do governo. Eleito no
caos, Bolsonaro governará no caos. Eleito como antiestablishment, será
establishment. Eleito como antissistema, é e será governo. É, portanto, a
contradição em si, e com essa contradição mobilizará as forças políticas e
econômicas ora ladeira abaixo, ora ladeira acima.
Trata-se do método já evidente da nova internacional
conservadora: governar não para todos, mas para uma base social e eleitoral que
não é maioria, mas grande o suficiente para sustentar um governo. Apoia-se na
fidelidade dessa base, útil na produção de inimigos, fundamental para se manter
vivo e forte.
Muitos confundem isso com mera agenda negativa, mas não é.
Antes, é um modus operandi eficaz para eventualmente governar à
margem das instituições e, sobretudo, arregimentar apoios forçados e assim
conquistar maioria. O antipetismo, o antiativismo, o antiesquerdismo, tudo
entra aí.
Não à toa, a primeira pesquisa de avaliação do governo,
divulgada pela XP, mostra 40% como avaliação ótima ou boa, 20% como ruim ou
péssimo, mas por outro lado 63% têm a expectativa de que Bolsonaro fará um
ótimo ou bom governo.
O 3º plano está no próprio papel de Bolsonaro. Ele se
entende como líder de uma revolução conservadora, e o é. A grande diferença nas
interpretações sobre o capitão-presidente é se ele conduziu a ascensão dessa
revolução conservadora, ou se foi ungido por ela.
O que sobram são visões difusas, mas seja lá qual opção for
a verdadeira, o fato é que Bolsonaro parece bem o que quer e o que não quer:
não me refiro a políticas, pois delas ele pouco ou nada demonstra entender, e
sim ao jogo dos símbolos do poder.
Bolsonaro prestigia a base que o apoiou e sabe que, para
esta, pouco importa o que considera miudezas destas crises de início de
mandato: das encrencas do baixo clero da família ao vexame contido de sua
visita a Davos, passando pelas peripécias dos ministros mais histriônicos.
Ao contrário, não são poucos os exemplos ouvidos no dia a
dia: Bolsonaro estaria sendo vítima tão-só da ação implacável de petistas e
seus viúvos, de uma oposição sem limites e sem rumo que, inconformada com a
derrota, jogará baixo para tumultuar o novo governo e impedir a própria morte,
prometida pelo capitão.
Mesmo as idas e vindas ou a associação da família às
milícias no Rio não parecem ter feito mais do que cócegas no apoio sobre o qual
o governo se assenta. O resto é torcida de bolha de redes sociais.
Foi para atender a esse núcleo duro dos seus apoiadores,
insensível às turbulências destas primeiras semanas de mandato, que Bolsonaro
escolheu ministros como Paulo Guedes e Sérgio Moro.
BOLSONARO: O ELO MAIS FRACO?
E aqui retomo Christian Lynch: Bolsonaro, reafirme-se,
montou um governo muito forte (acrescento: apesar das bizarrices laterais). O
tripé dessa fortaleza são os militares, Guedes e Moro. “[O
presidente] quis associar à sua figura”, disse o professor, “a força
dos militares, a ciência dos economistas e a moralidade dos juízes (sic)”.
Bolsonaro, completa ele, corre o risco de simbolizar o
contrário de tudo aquilo: a fraqueza de um ex-militar de média patente, a
incapacidade administrativa e a velha corrupção parlamentar. E isso os
interesses a ele coligados circunstancialmente pela eleição não podem aceitar.
Nisto reside minha divergência: não há evidência alguma
desse simbologia às avessas, senão uma fofoca ou outra associando o general
Mourão e militares a uma certa pressão, como se estes, preocupados, começassem
a moldar, controlar e tutelar o capitão-presidente.
Pode ser desinformação minha, mas à distância só vejo um
vice-presidente sem grandes funções no governo, mas com a missão edificante de
ser o grilo falante, a voz que diverge, o contraponto retórico –peça muito
comum em administrações, tucanas, petistas ou bolsonaristas.
De fato, na conjunção de forças do governo, os militares são
de longe o grupo mais profissional e consistente. De fato, os grupos que
integram o governo são heterogêneos. Mas os seus apoiadores –aquela massa que
não necessariamente precisa ser maioria– não exigem nem esperam ordem
programática estável.
Assentam-se sobre questões essenciais, como o radicalismo à
direita nos valores, liberalismo na economia, antipetismo empedernido e
raivoso, e o resto é só o resto.
Como diz Christian Lynch, é precipitado fazer vaticínios de
morte precoce com tão pouco tempo. Mas se a regra vale para o governo e a ideia
que representa –a ideia conservadora–, vale mais ainda para seu símbolo maior,
o capitão-presidente. Para desalento de mais da metade dos eleitores que não
votaram nele ou se abstiveram de votar.