SENADO VOTA HOJE DECRETO DE ARMAS E PODE IMPOR NOVA DERROTA AO GOVERNO
O Senado Federal decide hoje se derruba ou não o decreto
das armas de Jair Bolsonaro (PSL),
editado em janeiro com o intuito de flexibilizar as regras de posse e porte de
armas de fogo. A medida sofreu
alterações quatro meses depois, e uma delas foi a inclusão de veto
explícito ao porte de fuzis por cidadãos comuns.
Na Casa, há um grupo numeroso de parlamentares contrários à
política defendida pelo presidente: armar a população. Além da oposição, essa
ala inclui partidos e congressistas alinhados à direita e os que se dizem
independentes.
O cenário mais provável até o momento é de derrota para o
governo. No entanto, a matéria não se encerra no Senado. Se for aprovado em
plenário, o PDL (projeto de decreto legislativo) que tem como objetivo anular
os efeitos do decreto presidencial ainda será remetido à Câmara dos Deputados.
Durante a tramitação na CCJ (Comissão de Constituição e
Justiça), os senadores pró-flexibilização das armas foram
vencidos duas vezes. Na primeira, correligionários de Bolsonaro tentaram
marcar uma audiência pública antes da leitura do texto do relator, Marcos do
Val (Cidadania-ES), e foram derrotados por 16 a 4.
Na semana seguinte, o PDL que susta o ato de Bolsonaro
--tramitando em conjunto com outros de mesmo teor-- foi colocado em votação. A
maioria da CCJ decidiu dar aval ao voto em separado de Veneziano Vital do Rêgo
(PSB-PB), um dos que mais criticaram o decreto. O relator, entusiasta da
política armamentista, foi derrotado por 15 a 9.
Líderes ouvidos pelo UOL na semana passada e ontem
(16) sustentam que, independentemente do mérito do decreto e do viés ideológico
envolvido, a publicação do ato seria uma "invasão de competência do
Legislativo". Ou seja, Bolsonaro teria, de acordo com esse raciocínio,
desrespeitado uma atribuição do Congresso ao tentar "legislar por meio de
um decreto presidencial".
Esse é o espírito do PDL que será votado hoje no plenário.
Ou seja, os congressistas não vão analisar o mérito do decreto das armas, e sim
decidir se ele é ou não inconstitucional.
Um senador ouvido pela reportagem classificou a reação do
Parlamento como "antídoto contra uma política necrófila" --necrofilia
é o termo que define atração sexual por cadáveres.
Do lado oposto, governistas e aliados dizem que não houve
invasão de competência e entendem que dar fim ao ato que flexibiliza a posse e
o porte de armas de fogo seria uma vitória para os criminosos. Para avançar no
Senado e seguir para a Câmara, onde começará nova tramitação, a matéria precisa
de maioria simples no plenário.
Na CCJ, quatro líderes de blocos votaram pela derrubada do
decreto: Eduardo Girão (Pode-CE), Esperidião Amin (PP-SC), Veneziano Vital do
Rêgo (PSB-PB) e Otto Alencar (PSD-BA). Além disso, o pleito é defendido pelos
líderes da minoria, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e da maioria, Eduardo Braga
(MDB-AM).
Há consenso, inclusive, entre parlamentares de partidos
antagônicos, como o líder do PT, Humberto Costa (PE), e o 1º vice-presidente da
Mesa Diretora, Antonio Anastasia (PSDB-MG).
Veteranos como Renan Calheiros (MDB-AL), que foi quatro
vezes presidente do Senado, endossam o coro. "Armar a população com este
decreto significa dizer que, onde o estado não vai, vamos dar arma à população
para matar e se proteger", comentou o alagoano durante reunião da CCJ, na
semana passada.
Membros da oposição estimam que pelo menos metade da Casa,
que tem 81 cadeiras, já se manifestou publicamente ou em discursos nas
comissões ou no plenário de forma contrária ao decreto das armas. A confiança é
reforçada pelas duas derrotas sofridas pelos governistas na Comissão de
Constituição e Justiça.
Apesar do cenário pessimista, aliados de Bolsonaro e/ou
simpatizantes da causa armamentista ainda tentam um último esforço para
convencer os colegas. Nos bastidores, porém, há entendimento claro de que estão
em minoria. Ciente das dificuldades, o próprio presidente da República pediu
no sábado (15) que seus seguidores no Twitter pressionassem os senadores de
seus respectivos estados.
"A CCJ do Senado decidiu revogar nossos decretos sobre
CACs [colecionadores, atiradores desportivos e caçadores] e posse de armas de
fogo. Na terça (18), o PL será votado no plenário. Caso aprovado, perdem os
CACs e os bons cidadãos, que dificilmente terão direito de comprar legalmente
suas armas. Cobrem os senadores do seu Estado", escreveu o mandatário.
O apelo de Bolsonaro ocorreu um dia depois que o presidente
do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que quatro colegas que votaram
contra a flexibilização das armas de fogo haviam sido ameaçados.
"É, no mínimo, preocupante que o direito e o dever do
exercício da atividade parlamentar, legitimado pelo voto do povo, sejam
restringidos por meios covardes e, inclusive, de flagrante injustiça e afronta
à segurança dos parlamentares", declarou Alcolumbre, em nota.
Ontem (17), Bolsonaro voltou a utilizar o Twitter para
defender o direito do cidadão comum ao posse e porte de armas de fogo. "O
povo deve ter o direito às armas para se defender daqueles que ousem tirar a
sua liberdade."
Em cima do muro
Alguns senadores ainda não definiram posição a respeito do
mérito do decreto das armas, mas votarão pela derrubada porque consideram que o
governo Bolsonaro deveria, em vez de editar um decreto, propor a discussão na
esfera do Legislativo. Ou seja, eles cobram que o presidente encaminhe ao
Parlamento um projeto de lei sobre o assunto.
Passada a análise da constitucionalidade da iniciativa do
mandatário, senadores pró-armas estudam a possibilidade de elaborar proposições
referentes ao tema.
Matérias com esse mesmo espírito já tramitaram na Casa e não
prosperaram, como um Projeto de Lei do Senado que propunha alterar o Estatuto
do Desarmamento e acabar com a exigência da declaração de efetiva necessidade
para posse e porte de armas. Sem deliberação, a medida foi arquivada ao final
da respectiva legislatura, no ano passado.