BRASIL ESCOLHE PRESIDENTE NA ELEIÇÃO MAIS TENSA DA HISTÓRIA


Ana Paula Bimbati

UOL

Os eleitores brasileiros vão às urnas hoje para escolher entre a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) ou a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —que estava preso nas eleições de 2018. No primeiro turno, o petista recebeu 48,4% dos votos, contra 43,2% do seu adversário.

A campanha deste ano foi marcada por uma escalada da polarização e pela violência política. Paralelamente, o chefe do Executivo questionou a segurança das urnas eletrônicas, os resultados e a legitimidade de pesquisas eleitorais e até a quantidade de inserções de propagandas dos candidatos em rádios. São as eleições mais tensas desde

Pesquisas do Ipec e do Datafolha, divulgadas ontem (29), mostram vantagem de Lula contra Bolsonaro na contagem de votos válidos, que desconsideram brancos, nulos e indecisos.

Ipec aponta vitória do petista com oito pontos percentuais à frente: Lula 54% X 46% de Bolsonaro

Datafolha indica empate técnico no limite da margem de erro: Lula 52% X 48% de Bolsonaro.

Discussões e agressões. Outra pesquisa Datafolha, feita a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado antes do primeiro turno, mostrou que sete em cada 10 pessoas diziam ter medo de ser agredidas por causa das suas escolhas políticas.

A imprensa noticiou mortes causadas por divergências políticas. Em julho, um apoiador de Bolsonaro, o policial penal Jorge Guaranho, invadiu uma festa para matar o guarda municipal Marcelo Arruda, que comemorava o aniversário com uma festa alusiva ao PT, em Foz do Iguaçu (PR).

Em Rio do Sul (SC), um homem com camisa com menção ao presidente morreu esfaqueado também em um bar. Os autores dos assassinatos foram presos.

Para opositores e alguns especialistas, a política de flexibilização de armas de Bolsonaro é uma das causas do aumento da violência. O chefe do Executivo diz que as medidas aumentaram a segurança da população.

Na última semana, dois aliados do presidente se envolveram em episódios com uso de armas. No domingo passado, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) atirou contra agentes da Polícia Federal, em Comendador Levy Gasparian, a cerca de 140 km do Rio. Ontem, a deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP) apontou sua arma para um homem negro em São Paulo.

Ataques as urnas e inserções. Bolsonaro manteve ao longo da campanha ataques contra as urnas eletrônicas —mesmo sendo eleito para todos os cargos de sua vida política com o resultado delas. O presidente disse diversas vezes que respeitaria as eleições se elas fossem “limpas”.

A campanha do candidato à reeleição chegou a lançar uma campanha para mobilizar seus apoiadores a se inscreverem como fiscais no segundo turno. “Você é o olho do presidente Bolsonaro na sessão local”, diz um dos textos.

Na esteira de criticar o processo eleitoral, faltando sete dias para o segundo turno, a equipe do presidente convocou uma entrevista com jornalistas para acusar rádios de não divulgarem as inserções do candidato à reeleição. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) rejeitou a denúncia. O próprio ministro das Comunicações, Fábio Faria, disse ter se arrependido de levar o tema a público.

Depois de uma campanha tumultuada, no último debate, na sexta-feira (28), Bolsonaro afirmou que vai respeitar o resultado das urnas hoje.

Negócio é com centrão. A governabilidade do próximo presidente da República continua na dependência de uma figura importante da política brasileira: o centrão. Após conseguir eleger 235 parlamentares, o grupo terá ainda mais força no próximo ano.

“Se Bolsonaro for reeleito, o centrão vai se aproveitar do fato de que ele [presidente] não sabe governar, nem tem disposição para fazer política”, analisa Eduardo Grin, cientista político e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas). O especialista definiu o candidato à reeleição como “líder populista da extrema direita”.

Atualmente, o grupo é aliado do candidato à reeleição —Ciro Nogueira, por exemplo, conseguiu cargo de ministro no governo Bolsonaro e hoje faz parte da campanha do presidente. O PL, partido do chefe do Executivo, conseguiu eleger 99 deputados para 2023.

Já em um futuro governo Lula, a relação do petista com o grupo político pode ser considerada mais “desafiadora”. “O ex-presidente vai precisar negociar com centrão. Ele vai precisar descolar esse grupo do bolsonarismo raiz para conseguir governar”, explica Grin.

O professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e cientista político Adriano Oliveira discorda e avalia que o petista não terá grandes dificuldades em construir relações importantes com o centrão. Para ele, o grupo reúne parlamentares que “procuram viver ao lado do poder sempre, eles não se distanciam”.

A incógnita sobre o assunto é qual será a “moeda” de troca que cada futuro presidente vai escolher utilizar. O orçamento secreto já é uma ferramenta nas negociações com o centrão.

Orçamento secreto. Segundo as análises, Bolsonaro deve continuar seu “diálogo” com o grupo através das emendas de relator. A avaliação é que o presidente já adota um “parlamentarismo branco”, enquanto Lula tem um perfil de “fazer valer o poder do presidente”.

Em uma eventual vitória do petista, o professor da UFPE diz acreditar que o orçamento deve ser mantido, mas no formato menor. O ex-presidente Lula teria de fazer outras negociações, como cargos no governo, segundo Oliveira.

De acordo com a colunista do UOL Carolina Brígido, o STF planeja derrubar as emendas de relator. A proposta é julgar o processo, que questiona a legalidade do orçamento, após as eleições.

O mecanismo foi criado em 2020 a partir de um acordo entre Bolsonaro e o Congresso. Com isso, além das tradicionais emendas parlamentares, os políticos contam com a verba do orçamento secreto, que têm menos critérios de transparência —permitindo acordos políticos e uma distribuição que não é equânime entre os congressistas.

Congresso conservador. Nas últimas semanas, na tentativa de conseguir votos, Bolsonaro tem dito que com a nova configuração do Congresso terá mais espaço para aprovar pautas que não avançar nos últimos quatro anos.

Em relação a redução da maioridade penal, tema utilizado ainda na campanha de 2018, o presidente falou nas últimas semanas ter “certeza” que conseguirá aprovar. A liberação das armas e do homeschooling —projeto que está congelado no Senado— são outras pautas citadas pelo candidato à reeleição.

“Bolsonaro vai tentar eleger, por exemplo, um presidente [do Senado] diferente de Rodrigo Pacheco [PSD], que não é considerado confiável por ele”, avalia o professor da FGV. A tentativa de pedir impeachment dos ministros do STF também ganha forças com o novo quadro de senadores.

Já a governabilidade de Lula vai depender, mais uma vez, de suas negociações com o centrão. Para Oliveira, o petista terá boas relações no Congresso graças suas “capacidade de diálogo e da distribuição, obviamente, de cargos para os principais partidos”.