PESQUISA DIVULGADA EM JUNHO ATESTOU QUE DE 74,1 MILHÕES DE DOMICÍLIOS NO PAÍS, 11,8 MILHÕES TINHAM APENAS UM MORADOR
Uma parcela maior de brasileiros está morando sozinha, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa, divulgada em junho deste ano, atestou que de 74,1 milhões de domicílios no país, 11,8 milhões tinham apenas um morador. Isso corresponde a 15,9%, o maior número desde 2012, que era 12,2%. Apesar de ser um fenômeno causado por variadas circunstâncias, as pessoas parecem estar mais à vontade com a própria solidão. A chamada solitude, um estado de isolamento positivo e voluntário, tem se tornado algo mais comum e até almejado por quem deseja liberdade e auto-conhecimento.
Estar na própria companhia é uma oportunidade que deve ser aproveitada da melhor forma, segundo a psicóloga Taciana Chiquetti. “É saudável usar esse momento consigo mesmo para se conhecer melhor, para entender como você funciona sozinho. Quando estamos com outras pessoas temos que obedecer a regras de convivência, mas sozinhos, temos a oportunidade de nos ouvir mais, de nos perceber, de fazer aquilo que faz mais sentido pra gente”, explica.
Estar à vontade consigo mesmo é algo que pode acontecer com ou sem companhia. “Quando a gente se relaciona com o outro, se temos uma boa relação com nós mesmos, isso vai se refletir na relação com a outra pessoa. Então é fundamental a gente perseguir na nossa vida essa relação positiva consigo mesmo”, analisa. Taciana ressalta que humanos são seres individuais e sociais ao mesmo tempo, portanto, sempre terão o conflito em querer estar com outros ou ficar sozinho.
A solidão é o contrário da solitude. “A solidão é aquele estado de estar mal quando estamos na nossa própria companhia. E isso pode acontecer com ou sem outra pessoa junto, porque eu posso me sentir sozinha numa multidão e posso me sentir plena estando sozinha”, explica a psicóloga. Segundo ela, já se pode falar em limites quando a vontade de estar só se transforma numa evitação de conviver com o outro, numa falta de tolerância a ambientes sociais, um incômodo de se relacionar.
Os transtornos mentais são muito comuns nas pessoas que se sentem sós. Essa condição pode ser um gatilho para diversas crises. Taciana Chiquetti afirma que quem experimenta a solidão de uma maneira mais sofrida, pode sim desenvolver um transtorno de ansiedade depressivo - mas isso também tem a ver com a história de vida, a estrutura psíquica da pessoa, de como ela reage a isso.
O autoconhecimento e a inteligência emocional proporcionados pela solitude devem ser trabalhados de forma a não transformar a solidão num transtorno. “Dependendo de como se maneja o estar sozinho, pode ser uma uma oportunidade para meditar sobre sua vida, pra refletir, pra crescer e pra desenvolver essa relação boa consigo mesmo, pra então entrar numa relação ou ter momentos sociais de maior qualidade”, ressalta a psicóloga.
Taciana enfatiza a condição de “ser social” do indivíduo. “Eu posso estar sozinho, posso morar sozinho, posso preferir fazer algumas coisas sozinho. Mas uma rede de apoio é sempre fundamental porque vão ter momentos em que precisarei sair de dentro de mim pra me conectar com o outro que é a vida. A gente não está sozinho no mundo e nesse momento uma rede de apoio de qualidade, com pessoas de confiança, faz toda a diferença”, diz.
Enfim, sós
O professor Rômulo Gomes, 33 anos, está em Natal há um ano, mas mora só desde 2017, quando ainda vivia em Angicos. Para ele, o melhor da experiência é vivenciar a liberdade que morar só proporciona. “A gente pode fazer o que quiser, na hora e como quiser. Não me vejo morando com parentes novamente”, afirma. Rômulo ocupa boa parte de seus dias e da semana no trabalho. Para além de casa e do trabalho, ele mantém uma vida social comum, com saídas para bares, shoppings, e rolés com amigos.
Em casa, Rômulo gosta de ver TV, escrever, circular pela internet, e dormir. “Quando a gente trabalha muito, dormir é algo bastante valorizado”, brinca. Quando a solidão bate, seu lugar favorito é a praia. “A praia tem um significado diferente pra quem vem do sertão. Na praia eu nem tomo banho, eu gosto de apenas estar lá. É algo especial pra mim”, diz. Segundo ele, é uma das descobertas que fez ao morar só. “Eu digo pros amigos: quanto mais fico só, mais me descubro”, diz.
A jornalista Carol Reis mora só desde 2019. Para ela, o melhor é poder fazer tudo da forma como bem entende e na hora que quiser, sem precisar negociar ou combinar algo com alguém. “E o que é vantagem também pode ser desvantagem, afinal, se você não fizer ninguém vai fazer, e não ter com quem compartilhar tarefas, muitas vezes é pesado”, completa. Ela conta que quando adolescente adorava estar só em casa, mas hoje nem sempre é assim, especialmente nos fins de semana, quando fica “de bobeira”.
Alex Régis
"E o que é vantagem também pode ser desvantagem, afinal, se você não fizer ninguém vai fazer, e não ter com quem compartilhar tarefas, muitas vezes é pesado", afirma jornalista
“Às vezes é meio triste ter que fazer tudo sozinha, comer só, por exemplo. E nesses tempos ansiosos, acabo recorrendo muito ao smartphone para me entreter”, diz. Claro, nos dias bons ela canta e dança pela casa, ouve música alta, podcasts, maratona séries, cuida da casa, das plantas e de si. “Eu gosto de ter companhia e acho que sim, mesmo sabendo o quanto a convivência diária exige, dividirei a casa com a pessoa certa”, ressalta.
A gerente de vendas Rejane Medeiros saiu de Cruzeta aos 18 anos, e veio morar com a irmã em Natal. Desde 1999 ela mora sozinha, com a naturalidade de quem fez uma escolha consciente. Aos 50 anos, é uma pessoa que mantém a casa bastante organizada, mesmo com os dois gatos, e quando não está no trabalho, curte ir ao teatro e sair com amigos. “Adoro fazer a mesa só pra mim, mas não significa de jeito nenhum que não goste de conviver com outras pessoas”, diz.
Ser antissocial é algo que passou bem longe de Rejane. “Eu adoro falar com gente, trabalho com isso. E fora do trabalho também, conheço todo mundo da empresa, do condomínio. Mas aprecio o sossego dentro de casa”, afirma. Ela conta que já saiu mais, hoje está mais seletiva e caseira. “Em casa, vejo muito telejornal, leio sobre história, outros países. Os clientes da loja acham que já viajei o mundo”, brinca.
O começo solitário foi difícil para o estudante de jornalismo Gabriel Mascena. Ele, que morava com a avó em Cruzeta, agora toma conta da própria vida em Natal, há dois anos. “Quando me mudei sozinho pra capital foi assustador. Eu tinha toda uma vida com auxílio sentimental, financeiro e psicológico. E de repente, precisei resolver tudo sozinho”, conta. A sala de aula e depois os estágios foram essenciais no processo de adaptação.
Hoje, Gabriel preza a autonomia que adquiriu com a solidão caseira. “O auto-cuidado que precisei ter me deu uma visão melhor sobre o mundo e sobre mim mesmo. Eu parei de pegar referências nos outros e olhar mais para mim mesmo”, diz. O estudante também não tem nada de antissocial. Recebe muitos amigos em casa, joga com amigos virtuais e físicos, circula bastante pela internet, e aprendeu a filtrar melhor as companhias. “Eu percebo melhor quem quero perto de mim”, afirma.