PREFEITURA ESTUDA ADOÇÃO DE ISENÇÕES FISCAIS PARA COMERCIANTES DA RIBEIRA


A Prefeitura de Natal está elaborando um estudo para apresentar um pacote de isenções fiscais com o objetivo de incentivar a ocupação de imóveis na Ribeira, a fim de estimular o processo de requalificação do bairro. De acordo com Joanna Guerra, secretária de Planejamento da capital, a previsão é de que o pacote seja apresentado ainda no mês de junho. O estudo, segundo ela, irá trazer um diagnóstico sobre o impacto econômico que será provocado pelas isenções, bem como um panorama socioeconômico da região. A medida faz parte de um amplo projeto que quer revitalizar o Centro Histórico de Natal.

Joanna Guerra disse que o estudo está a cargo de um conjunto de secretarias. Com o diagnóstico, será possível definir qual tributo será alvo de isenção, por quanto tempo a renúncia poderá ser concedida e a quem ela será destinada. “O estudo está em discussão junto às secretarias e é ele quem vai dizer se o alvo das isenções será o IPTU ou o ISS, que são os dois impostos captados pelo Município. O diagnóstico também vai definir quem terá direito ao incentivo, mas, provavelmente, serão os comerciantes”, explica a secretária.

Além do Planejamento, compõem a execução do estudo o Gabinete Civil e as pastas da Tributação e Administração Municipal. Obras de infraestrutura também estão no rol das intervenções para revitalizar a Ribeira. De acordo com Joanna Guerra, há um projeto de melhoria para o bairro orçado em R$ 28 milhões. O investimento é do Ministério das Cidades com contrapartida da Prefeitura.

“A área a receber a intervenção perpassa toda a Avenida do Contorno, o que inclui a região da CBTU, Pedra do Rosário, Viaduto do Baldo e Praça Augusto Severo. Também estão no projeto as vias adjacentes, a Avenida Duque de Caxias, o cais da Tavares de Lira e as ruas Doutor Barata e Câmara Cascudo. Todas essas localizações vão receber recapeamento com obras de acessibilidade (calçadas) e mobiliários, como bancos e lixeiras novos” descreve a secretária.

Na Avenida do Contorno, segundo ela, vão ser implantadas duas novas praças de contemplação do pôr do sol. “Na parte mais alta, a ideia é ter um espaço de lazer e convivência, com lojinhas de souvenirs e artigos religiosos para que os turistas possam visitar a Pedra do Rosário. Isso tudo está vinculado à perspectiva de reocupação do espaço público. Nossa intenção é que haja um trabalho permanente da Guarda Municipal no local para que ele seja ocupado de forma segura e ganhe mais vida”, pontua Joanna Guerra.

As obras de requalificação do Centro Histórico de Natal (Ribeira e Cidade Alta) estão divididas em quatro lotes. Os três primeiros têm o prazo para conclusão estimado em seis meses e o quarto, que é o da Pedra do Rosário, em 11 meses. Para os serviços na Ribeira, a titular da pasta de Planejamento de Natal explica que a liberação dos recursos está em análise na Caixa Econômica Federal.

“Nós aguardamos autorização da Caixa para licitar a obra. Como o projeto já está em análise, a gente espera que no mês que vem, já seja possível marcar a licitação dos serviços”, projeta a secretária. “O Município também tem negociado a cessão de alguns prédios da União localizados na Ribeira para ocupação com algumas secretarias. Recentemente, a gente teve a cessão do antigo prédio do INSS, próximo à STTU. Iniciamos uma reforma e vamos ocupá-lo futuramente, assim como irá acontecer com a antiga sede do Ministério da Fazenda”, conclui.

Comerciantes identificam abandono

Altos aluguéis, fuga de público, carga tributária elevada, burocracia para revitalização de prédios. Os motivos para o abandono na Ribeira são diversos, conforme relatos colhidos pela reportagem. A solução, segundo as fontes ouvidas, passa por uma única questão: incentivo do poder público à requalificação do bairro. Antigo reduto da boemia natalense, a Ribeira sofre hoje com o abandono de prédios e casarões históricos e a saída constante de comerciantes. Para os que ainda persistem, as dificuldades são enormes.

Adriano Abreu

Josemberg Araújo diz que bairro precisa de investimentos

Símbolo de um dos ritmos mais amados pelos brasileiros na capital potiguar, o samba, o Buraco da Catita resiste à fuga de público do bairro e recebe, todos os sábados, cerca de 300 pessoas para curtir o ritmo boêmio e relaxar. Marcelo Lima, proprietário do bar, disse que permanecer na Ribeira é uma questão de sobrevivência, possível graças à fidelidade dos clientes. “Graças a Deus, o Buraco da Catita tornou-se um sucesso na cidade. Consegui, ao longo desses quase 15 anos, um público fiel e hoje somos uma referência em Natal”, indica.

Apesar disso, se manter na região não tem sido fácil, segundo ele. “Estou sobrevivendo porque me dedico muito, embora a Ribeira seja um bairro fantástico, com um potencial gigante e que deveria ser explorado. O nicho com o qual eu trabalho facilita, mas, para isso, tenho que tomar iniciativas que são obrigação do poder público: contrato segurança particular e pago uma pessoa para retirar o lixo da rua. Além disso, é comum encontrar a iluminação de vias apagada”, comenta.

Marcelo Lima reclama que não existe atenção do poder público para com a região. “Os governantes deveriam, pelo menos, manter as luminárias de algumas ruas que foram arrancadas”, pontua o empresário. Josemberg Araújo trabalha na Ribeira há mais de 30 anos – boa parte desse tempo ele dedica à própria oficina de conserto de motores, instalada na Rua Câmara Cascudo desde 1996. Com mais de três décadas de intimidade com a região, Berg, como é conhecido, avalia que o bairro hoje está “em decadência”, quadro que, segundo ele, começou há muito tempo, mas se intensificou nos últimos anos.

“Creio que essa decadência começou com o fechamento da Rodoviária Velha [na década de 80]. Com isso, grandes lojas, como Comjol e Armazém Pará começaram a sair da Ribeira. Mesmo assim, nós ainda conseguimos ver muita gente no bairro por bastante tempo. À medida que os anos foram passando, o público sumiu. A situação se agravou de vez depois da pandemia”, detalha.

A exemplo de Marcelo Lima, do Buraco da Catita, Berg afirma que a fidelização de clientes e o fato de não precisar pagar aluguel contribuem para a permanência e longevidade do negócio no bairro. Em 1998 ele comprou o prédio onde funciona a oficina. “Como já tenho experiência por aqui, para mim a dificuldade com os clientes é menor, porque eles me conhecem e vêm de outras partes da cidade para cá”, resume.

Dificuldade de revitalização de prédios

O bairro da Ribeira foi tombado em 2010 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e por isso, qualquer intervenção na estrutura dos prédios precisa passar pelo crivo do órgão. Para os comerciantes ouvidos pela reportagem, a burocracia com a qual é preciso lidar para que se dê andamento a uma obra de requalificação também é um fator que afugenta os investimentos e a permanência na área.

“O fato de ser um bairro histórico é uma coisa benéfica, mas a burocracia no processo de revitalização é uma dificuldade para as pessoas continuarem na Ribeira. Deveria haver incentivo para quem quiser investir na região. Em vez disso, todo o tipo de empecilho é colocado”, avalia Marcelo Lima, do Buraco da Catita. A reportagem tentou contato com o IPHAN para comentar o tema, mas o órgão não respondeu.

Joel Lisboa, gerente de uma loja de itens de pesca, localizada na Avenida Tavares de Lira, conta que frequenta o bairro desde a adolescência. Para ele, a falta de eventos também impacta significativamente no cenário de abandono. “Participei de muitos circuitos por aqui quando era mais novo. Então, a parte cultural é muito importante. Antigamente, a gente tinha uma feira gastronômica que tomava toda essa rua. Nada disso tem mais”, relembra.

O gerente diz que a loja, instalada na Ribeira em 2011, tem conseguido resistir às dificuldades, embora, segundo ele, o faturamento próprio tenha caído bastante nos últimos tempos. “A luta é constante. A gente precisa se esforçar três vezes mais do que fazia antes para conseguir vender”, revela. Joel reforça, no entanto, outros fatores que, na opinião dele, são empecilhos no processo da requalificação da Ribeira.

“Revitalizar prédios é um fator importante, mas para isso é preciso passar pelo IPHAN que, na minha opinião, mais atrapalha do que ajuda, porque exige peças originais, algo difícil de ser encontrado. Ainda tem os aluguéis muito caros, o IPTU altíssimo e a falta de investimento do poder público. Algum imposto poderia ser retirado para trazer de volta os grandes comércios. Assim, os pequenos se estabelecem no entorno”, sugere. A percepção de que é necessário atrair o público de volta à Ribeira é unânime entre os comerciantes ouvidos.